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O Governo ainda está a estudar o assunto, mas para alguns trabalhadores do setor privado a semana de trabalho de quatro dias é já uma realidade. A pandemia deu gás ao debate em torno da reorganização e Portugal junta-se, a partir de janeiro, a outros países que já avançaram com um projeto-piloto no setor privado e na Função Pública. O tema, contudo, não é consensual. Centrais sindicais e patrões têm opiniões diferentes sobre a ideia de encurtar a semana de trabalho.
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Sérgio Monte apoia a semana de quatro dias de trabalho, mas com duas condições: "Sem redução do salário e sem aumento do período de trabalho diário", afirmou o adjunto do secretário-geral da UGT, no Fórum TSF. Sérgio Monte lembra, inclusive, que Portugal esteve "quase um século" para passar das 48 horas para as 44 e, depois, para as 40 horas, que passaram a ser uma realidade em 1996.
Ouça a opinião de Sérgio Monte, da UGT, sobre a semana de quatro dias de trabalho.
A CGTP concorda. "À partida, se estivermos a falar de uma situação em que efetivamente irá haver uma redução do horário de trabalho sem perda de salário, é uma medida que a CGTP acompanha", afirmou Andrea Araújo, da comissão executiva da CGTP, trazendo à liça a proposta da intersindical da redução do horário para as 35 horas para todos os trabalhadores. "É importante que o setor privado possa acompanhar" essa redução, defende.
Andrea Araújo também coloca duas condições e defende as 35 horas de trabalho para o privado.
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Na ótica da CGTP, implementar a semana de quatro dias de trabalho é também possível em setores como o têxtil e do calçado. "Esses setores têm demonstrado, até pela introdução das novas tecnologias, um ótimo desempenho. Se assim é, esses ganhos científicos e técnicos que têm sido aplicados, de facto têm que ser revertidos naquilo que é a melhor qualidade de vida dos trabalhadores.
Em causa está a melhoria na qualidade de vida dos trabalhores, defende a CGTP.
Já para a CIP - Confederação Empresarial de Portugal, estar a debater a semana de quatro dias de trabalho numa altura em que há problemas mais "inquietantes" na sociedade é estar a fugir ao essencial.
"Temos que ser realistas e perceber em que momento da nossa vida nos encontramos e, muito honestamente, há assuntos e matérias que nos devem inquietar e merecer a nossa reflexão pela prioridade e pela dimensão que constituem", afirma António Saraiva, referindo-se aos efeitos da crise pandémica e da guerra e a "tudo o que aí virá" em 2023, um ano "muito complicado para o mundo, para a Europa, para Portugal".
"Estarmos a discutir uma questão destas no mundo em que temos problemas muito mais inquietantes parece que estamos a desfocar para o acessório", frisa.
Há assuntos "mais inquietantes". Antrónio Saraiva diz que não é prioridade discutir a semana de quatro dias de trabalho.
Ferraz da Costa, presidente do Fórum para a Competitividade, considera que esta discussão é, antes de mais, um mau sinal. "Essa ânsia de reduzir os horários e estar menos tempo no emprego é, para já, um mau sintoma. Temos um sistema do mundo do trabalho com o qual as pessoas não estão muito satisfeitas e, por isso, gostavam de estar lá menos tempo", resume, acrescentando ser "normal" que tal aconteça a seguir a períodos de "grande choques".
O mesmo se passou, exemplifica, a seguir à peste negra quando os ordenados duplicaram. "Não havia pessoas para trabalhar, 50% da população morreu. Agora, com pandemia, não foi tão mau, mas criou-se um sistema de insegurança - eventualmente um bocado exagerado - e acho que as pessoas estão numa de libertação", sublinhou.
Debater o tema agora é "mau sintoma", diz Ferraz da Costa.
João Vieira Lopes vai mais longe e afirma mesmo que para a maior parte das empresas em Portugal seria um "suicídio completo" implementar a semana de quatro dias de trabalho.
"O que teria de acontecer era: ou haveria uma baixa dos salários para contratar mais gente, ou teríamos que encontrar uma forma para que as pessoas nos quatros dias fizessem o mesmo", perspetiva o presidente da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP) que acrescenta ainda que debater o tema "de uma forma forçada" na atual conjuntura "não é realista".
João Vieira Lopes fala mesmo em "suicídio total" para grande parte das empresas em Portugal.
Enquanto o debate se intensifica, há empresas a decidir avançar para este novo modelo. É o caso da 360 imprimir. A gráfica deu esse passo este mês, proporcionando aos 180 trabalhadores uma semana de trabalho mais curta sem perda de rendimento. Uma mudança que surgiu depois de a empresa de ter implementado o trabalho remoto a 100%. Com uma semana de trabalho mais curta, a empresa garante "satisfação e descanso" aos trabalhadores, sem que a produtividade baixe.

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