- Comentar
Marcelo Rebelo de Sousa foi um Presidente da República com atividade intensa, intervenções constantes, em contacto próximo e informal com os cidadãos, e os cinco anos do seu primeiro mandato foram um período de estabilidade política.
O final deste mandato ficou marcado pela pandemia de covid-19 e consequente crise económica e social, que antevê duradoura e profunda, e que no último ano se tornou o centro da política nacional e da sua atuação, pela qual se declarou também "sujeito ao escrutínio dos portugueses" nas eleições presidenciais de 24 de janeiro passado.
Apesar da abstenção recorde, o antigo presidente do PSD foi reeleito à primeira volta com 2.531.692 votos, uma votação reforçada face à da sua eleição em 2016, correspondente a 60,67% dos votos expressos - a terceira maior percentagem em eleições presidenciais em democracia e a segunda maior numa reeleição.
O professor catedrático de direito jubilado, de 72 anos, recandidatou-se à chefia do Estado apoiado formalmente por PSD e CDS-PP, numas eleições em que o PS, no Governo, optou por não dar apoio a qualquer candidato, mas aprovou uma moção com uma "avaliação positiva" do seu primeiro mandato.
Em segundo lugar ficou a militante socialista e diplomata Ana Gomes, que apenas recebeu do seu partido uma saudação à sua candidatura, que obteve 12,96%, a uma distância de quase dois milhões de votos.
Subscrever newsletter
Subscreva a nossa newsletter e tenha as notícias no seu e-mail todos os dias
Nestas presidenciais, teve ainda como adversários Marisa Matias, do BE, João Ferreira, do PCP, André Ventura, do Chega, Tiago Mayan Gonçalves, da Iniciativa Liberal - partidos com assento parlamentar - e Vitorino Silva, mais conhecido por Tino de Rans.
Marcelo Rebelo de Sousa destacou-se no comentário político televisivo aos domingos durante 15 anos, antes de ser eleito Presidente da República com 52% dos votos nas presidenciais de 24 de janeiro de 2016, eleições a que se apresentou como um moderado, vindo da "esquerda da direita", apostado em "fazer pontes".
Prometendo "afetos, proximidade, simplicidade e estabilidade", tomou posse em 09 de março de 2016, num contexto de bipolarização e crispação entre a anterior maioria PSD/CDS-PP e o novo Governo minoritário do PS suportado à esquerda no parlamento por acordos bilaterais com PCP, BE e PEV, que estava em funções há três meses.
Distinguiu-se do seu antecessor, Aníbal Cavaco Silva, na desdramatização dessa solução governativa inédita e demarcou-se da tese da falta de legitimidade de um executivo chefiado pelo segundo maior partido na Assembleia da República, defendendo que devia cumprir a legislatura, o que veio a acontecer.
Em maio de 2019, Marcelo Rebelo de Sousa descreveu o quadro institucional em Portugal como "uma coabitação especial" que "obriga a um equilíbrio constante".
Em termos públicos, a sua relação com o primeiro-ministro, António Costa, seu antigo aluno, foi mais intensa no início, com iniciativas frequentes lado a lado, como a festa da Rádio Alfa, nos arredores de Paris, em 12 junho de 2016, da qual ficou uma imagem dos dois sob o mesmo guarda-chuva.
"Estão a ver o que é a colaboração entre os dois poderes? Mas vejam bem, quem tem o guarda-chuva é o senhor primeiro-ministro de esquerda, quem é apoiado é o Presidente que veio da direita", observou Marcelo Rebelo de Sousa, acrescentando: "É a solidariedade".
Um ano mais tarde, as relações entre Governo e chefe de Estado entrariam no seu momento de maior afastamento, com os incêndios de junho e outubro de 2017, que no seu conjunto mataram mais de cem pessoas e que levaram o chefe de Estado, como o próprio disse, a "exercer a autoridade" de forma mais acentuada.
Numa comunicação ao país, em 17 de outubro de 2017, o Presidente da República exigiu "um novo ciclo" com ação urgente e uma clarificação do apoio ao Governo no parlamento, sugeriu mudanças de equipas e prometeu usar todos os seus poderes para assegurar que o Estado cumpre o dever de proteção das populações.
Ao recordar essa fase do seu mandato, em fevereiro do ano seguinte, considerou: "Foi muito difícil, admito, de gestão, para mim e para o Governo".
Marcelo Rebelo de Sousa chegou a dizer que uma nova tragédia como os fogos de 2017 seria um "impeditivo de uma recandidatura".
A sua recandidatura ou não ao cargo de Presidente da República, decisão inicialmente remetida para o verão de 2020, foi um tabu que só desfez em dezembro do ano passado, embora houvesse então uma expectativa generalizada de que iria concorrer a um segundo mandato.
Para essa convicção contribuiu um episódio em 13 de maio de 2020, após 45 dias de estado de emergência devido à pandemia de covid-19, na fábrica da Volkswagen Autoeuropa, em Palmela, no distrito de Setúbal.
No dessa uma visita conjunta, o primeiro-ministro, António Costa, manifestou a vontade de regressar àquela fábrica com Marcelo Rebelo de Sousa num segundo mandato presidencial, contando, portanto, com a sua recandidatura e reeleição.
"Nós vamos ultrapassar esta pandemia e os efeitos económicos e sociais este ano, no ano que vem, nos anos próximos. E eu cá estarei, e cá estaremos todos, porque isto é um espírito de equipa que se formou e que nada vai quebrar. Cá estaremos este ano e nos próximos anos a construir um Portugal melhor", declarou, a seguir, o Presidente da República.
Nesta altura já tinha começado uma nova legislatura, em outubro de 2019, na sequência de eleições legislativas que o PS venceu sem maioria absoluta, formando um Governo minoritário agora sem o suporte de quaisquer acordos escritos, condição que o próprio chefe de Estado considerou desnecessária e que o PCP rejeitava, tendo António Costa optado por não privilegiar nenhum dos parceiros à esquerda.
Com o poder de dissolução do parlamento limitado em 2020, só o podendo exercer entre abril e setembro, Marcelo Rebelo de Sousa avisou várias vezes que não podia haver crises nesta fase final do seu mandato, em que foram votados três orçamentos.
O Presidente apelou a que fosse a mesma maioria que compunha a chamada "geringonça" a aprovar os orçamentos, desaconselhando "soluções pontuais", mas as votações variaram.
Em fevereiro, o Orçamento do Estado para 2020 foi aprovado com votos a favor do PS e abstenções de BE, PCP, PEV e PAN. Contudo, em julho, o Orçamento Suplementar para fazer face às consequências da covid-19 passou com abstenções de PSD e BE, com PCP e PEV a optarem pelo voto contra, ao lado de CDS-PP, Iniciativa Liberal e Chega.
O Orçamento para 2021 foi viabilizado com votos favoráveis do PS e abstenções de PCP, PEV e PAN, e nessa ocasião foi o BE a votar contra, desde a generalidade à votação final global, em novembro, juntamente com os partidos à direita.
Nesse mês de novembro, com a propagação da covid-19 a agravar-se em Portugal, o chefe de Estado voltou a decretar o estado de emergência, que seria sucessivamente renovado, e marcou as eleições presidenciais para 24 de janeiro de 2021.
Em 07 de dezembro, anunciou finalmente a sua recandidatura ao cargo de Presidente da República, declarando que nunca sairia a meio desta "caminhada exigente e penosa" e que continuava a ser "exatamente o mesmo que avançou há cinco anos", empenhado em estabilizar e unir os portugueses, para vencer a atual crise.
Marcelo Rebelo de Sousa foi o Presidente que mais tarde fez esse anúncio, a 48 dias das eleições e a 92 dias de terminar o mandato, sozinho, numa pastelaria perto do Palácio de Belém, que escolheu como cenário por ser o espaço onde funcionou a sua sede de campanha há cinco anos.
Duas semanas depois, em entrevista à TVI, disse que esperava um segundo mandato "mais difícil", identificando "mais pulverização" no sistema partidário, quer à esquerda, quer à direita.
Quando debateu com o líder do Chega, André Ventura, Marcelo Rebelo de Sousa traçou uma linha divisória entre os seus valores, "da direita social", e os deste partido, "uma direita persecutória".
Na noite da sua reeleição, fez a leitura de que "os portugueses mostraram nestas eleições presidenciais que rejeitam o extremismo" e reforçaram a votação no Presidente da República porque "querem mais e melhor, em proximidade, em convergência, em estabilidade, em construção de pontes, em exigência, em justiça social, e de modo mais urgente em gestão da pandemia".
"Entendi esse sinal e dele retirarei as devidas ilações", acrescentou Marcelo Rebelo de Sousa traçando o 50.º aniversário do 25 de Abril, em 2024, como meta temporal para a reconstrução do país.