Da obra inacabada às novas cores da liberdade. O dia em que a democracia começou a fazer 50 anos
Mais democracia do que ditadura

Da obra inacabada às novas cores da liberdade. O dia em que a democracia começou a fazer 50 anos

Música, poesia e condecorações, sem esquecer as guerras da atualidade, da "Ucrânia" ao "populismo". Assim se deu o tiro de partida das comemorações dos 50 anos do 25 de abril.

Num pátio da Galé, em Lisboa, repleto de tons de verde e vermelho, houve votos para um futuro melhor, mas sem esquecer o passado. Na sessão de abertura da cerimónia do 50º Aniversário da Revolução de 25 de Abril, António Costa destacou a "audácia juvenil" dos capitães de abril, enquanto que Eduardo Ferro Rodrigues considera que a "solidariedade é um dos projetos mais ambiciosos de abril". Já Marcelo Rebelo de Sousa, o último dos três a discursar, frisou a necessidade de "fazer com que estes 50 anos do 25 de abril sejam sementes do futuro e não apenas revivalismo do passado".

Instrumentos afinados, pulmões bem cheios, começa a cerimónia. A Orquestra Geração toca os primeiros acordes do tema "O Governo do Povo" ao mesmo tempo que a plateia, repleta de capitães de abril, personalidades de Estado e de governo, assiste ao certame. Depois, a poesia tomou o palco. Com a orquestra como pano de fundo, ao lado de uma chaimite, o carro de combate que transportou as tropas até à revolução, Alice Neto de Sousa concentra as atenções. A jovem poetisa, de 28 anos, receita o tema "Poeta", que ecoou pelas paredes do claustro do Pátio da Galé.

Aplausos tomaram conta do ambiente e logo a seguir começaram as condecorações. Pela mão do Presidente da República, passaram pelo púlpito 30 militares de abril, todos condecorados com a Ordem da Liberdade, grau de Grande-Oficial. Lacónicas palavras iam sendo segredadas pelo chefe de Estado aos agraciados e vice-versa, com as palmas a entrecortar as passagens.

"A liberdade e a democracia são obras inacabadas"

E logo a seguir voltou a poesia, mas com outro declamador: António Costa. O primeiro-ministro começou por recitar um poema de Jorge de Sena, que termina com os versos "Não hei de morrer sem saber qual a cor da liberdade." Esta passagem serviu para Costa realçar que "foi este o sonho que deu força e coragem a tantos e a tantas para não desistir e resistir. Foi este sonho que o 25 de abril tornou realidade".

O primeiro-ministro não esqueceu o dia de amanhã, em que Portugal terá mais dias de liberdade do que ditadura, e fez questão de homenagear os capitães de abril. "Serão sempre merecedores da nossa gratidão renovada (...) e uma fonte de inspiração", lembra.

António Costa recordou que "eram jovens que ousaram uma rutura histórica, que abriu uma nova era para Portugal". São, por isso, uma "fonte de inspiração, porque na época "a audácia juvenil os fez arriscar e sonhar com um país livre".

Costa puxou depois a fita do tempo para o presente e para as comemorações, que encara como "uma passagem de testemunho para as novas gerações". Logo a seguir, fez um retrato destes 50 anos que nos separam do dia da revolução: 25 de abril de 1974. António Costa sublinha que muito foi conquistado, mas "a liberdade e a democracia são obras inacabadas e não estão imunes às ameaças". Foi o mote para o primeiro-ministro lembrar as bandeiras da atualidade. "Populismo, desigualdades, corrupção, medo, racismo, ódio, ameaças que sempre minam a liberdade e a democracia", exemplifica.

O discurso fechou com Jorge de Sena, uma vez mais, e com o primeiro-ministro a recordar as cores da liberdade "vermelho e verde". Cores que vão muito para além disso, segundo António Costa: "é a cor do arco-íris que hoje é uma nova fronteira das liberdades". Mas nem só de várias cores se travam as guerras da atualidade, nos últimos dias têm sido apenas duas. "Amarela e Azul são hoje as cores por quem luta da paz", acrescenta António Costa.

"As cores da liberdade não são as cores da nossa pele, são as cores que cada um cria na imaginação criativa que a liberdade criou", termina.

O (ainda) presidente da Assembleia da República realça que "a ditadura demorou demasiado tempo".

A segunda figura do Estado sucedeu ao primeiro-ministro no púlpito. Eduardo Ferro Rodrigues recordou os métodos usados no tempo do Estado Novo: "A tortura do sono e da estátua, os assassinatos encomendados, a censura aos órgãos de comunicação social, o condicionamento da informação e da cultura, a divulgação de verdades únicas que eram mentira, as guerra coloniais, os tribunais da ditadura". Um tempo que o presidente da Assembleia da República considera ter sido "desmesurado, impiedoso e mesquinho".

A guerra da Ucrânia veio depois, uma vez mais, ao discurso, com Ferro Rodrigues a falar em "manipulação da verdade enquanto se mata e destrói noutro país, como se prende e castiga num país enquanto se massacra noutro". O presidente da Assembleia da República destacou depois a "solidariedade", como um dos projetos mais ambiciosos de abril", dando como exemplo o acolhimento português dos refugiados ucranianos.

Da "revolta estudantil dos anos 60", até "aos desenvolvimentos no período democrático", Ferro Rodrigues frisou que "este é um ajuste de contas com o passado ditatorial". Mas, tal como António Costa, o ainda presidente do Parlamento reconhece que há ainda muito por fazer, nomeadamente "no combate às alterações climáticas", recordando que "somos um dos países com maior desigualdades na União Europeia".

Ferro Rodrigues apontou ainda para os mais jovens que considera "nem sempre serem os mais audíveis no espaço público" e que "estão afastados de uma representação mais institucional". Neste ponto, o presidente da Assembleia da República exorta os políticos a estimularem essa participação.

Marcelo Rebelo de Sousa alerta: "é preciso analisar o passado no que não foi o melhor"

No último dos três discursos da tarde, o presidente da República não deixou passar em claro a data simbólica: "a democracia constitucionalizada de 1976 superou a ditadura constitucionalizada de 1933". Das afirmações às perguntas foi um ápice: "Portugal, para que servirá o caminho que neste dia arranca?", respondendo logo de seguida: "para celebrar o passado, no que merece ser celebrado, a luta pela democracia".

O presidente da República recorreu aos verbos para vincar o que a democracia, em oposição com a ditadura, permite: "Questionar, perguntar, repensar, propor, querer mais ambição", acrescentando que é importante pensar "no que perdemos com o facto de não termos tido mais cedo democracia e liberdade".

Numa visão a longo prazo, Marcelo Rebelo de Sousa realçou "que está nas nossas mãos fazer com que estes 50 anos do 25 de abril sejam sementes do futuro e não apenas revivalismo do passado".

"Precisamos de virar esta comemoração para o futuro (...), por aí passa o sucesso ou o fracasso (...), pode ser uma oportunidade ganha ou perdida", termina.

Discursos feitos, voltaram a ecoar sons pelas paredes do claustro do Pátio da Galé. Os músicos da orquestra Geração interpretaram as simbólicas senhas da revolução "E depois do adeus" e "Grândola", e as luzes coloriram de vermelho e verde o esbranquiçado das colunas que rodeiam o espaço.

A poesia voltou ao centro da sessão, com Alice Neto de Sousa a declamar "Março", poema escrito a propósito dos 50 anos do 25 de abril. A música "o primeiro dia" de Sérgio Godinho não faltou à chamada, bem como o Hino Nacional, tocado pela orquestra Geração. "Sol Di Manhã", foi o tema que fechou a cortina musical.

Para o fim ficou a "cápsula do tempo" que, colocada no centro do púlpito, concentrou todas as atenções. A estrutura, construída em cortiça, foi aberta e lá dentro colocados vários objetos. Entre as personalidades que foram responsáveis por essas colocação, destaque para o primeiro-ministro, que colocou sementes de cravo, e o Presidente da Assembleia da República que depositou a reprodução das assinaturas dos deputados constituintes. Já o Presidente da República colocou uma edição da Constituição e o colar de Grande-Oficial da Ordem da Liberdade. O coronel Vasco Lourenço, presidente da Associação 25 de Abril, colocou a primeira edição do programa do Movimento das Forças Armadas e alguns objetos alusivos à data da revolução.

A cápsula fechou-se, com a esperança de ser aberta quando a democracia fizer 100 anos. Até lá fica guardada no Museu da Guarda Nacional Republicana no Quartel do Carmo.

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