Ministério Público confirma à TSF que "interpôs ação para a efetivação de responsabilidade financeira" no caso da derrapagem das obras do antigo Hospital Militar de Belém. Visado Alberto Coelho foi escolhido para empresa pública pelo novo Secretário de Estado da Defesa e por Gomes Cravinho já depois das suspeitas serem conhecidas.
358 dias após a TSF ter divulgado a auditoria à derrapagem no custo das obras do antigo Hospital Militar de Belém, eis que o Ministério Público finalmente se pronuncia para dizer que "interpôs ação para a efetivação de responsabilidade financeira", confirmando o relatório da Inspeção-Geral de Defesa Nacional.
A informação enviada à TSF pelo Ministério Público, que não se alonga em mais esclarecimentos ("a informação disponível é a que foi enviada"), está em linha com as conclusões da auditoria levada a cabo pela Inspeção-Geral de Defesa Nacional que concluiu terem existido "inconformidades legais" nos ajustes diretos feitos para as obras e que fizeram com que o custo total fosse de 2.598.063,46€ - o triplo do inicialmente previsto.
Nesse mesmo relatório - na altura considerado confidencial sem justificações para tal da parte do governo -, é apontado como responsável o agora ex-diretor da Direção-Geral de Recursos de Defesa Nacional, Alberto Coelho, que ao longo de todo o processo nunca fez declarações públicas sobre o assunto.
De acordo com o Ministério Público, "a responsabilidade financeira é individual e culposa, implica sempre responsabilidade sancionatória e pode originar responsabilidade reintegratória". Questionado pela TSF sobre se está a ser feita alguma apreciação criminal sobre este caso, o Ministério Público volta a remeter-se ao silêncio.
Nomeação polémica de Alberto Coelho
Acontece que, já depois de toda a polémica ter estalado, Alberto Coelho foi nomeado administrador da Empordef - Tecnologias de Informação, uma empresa da esfera da idD - Portugal Defence e que, até agora, era presidida por Marco Capitão Ferreira, o novo Secretário de Estado da Defesa.
Ao longo do processo, o PSD foi bastante vocal ao questionar a tutela e a idD sobre a ida de Alberto Coelho para administrador desta empresa e, em ocasiões diferentes, tanto o ex-ministro da Defesa como Capitão Ferreira descartaram responsabilidades.
Como a TSF escrevia em novembro do ano passado, havia uma aparente contradição sobre a escolha deste quadro para presidir à Empordef - Tecnologias de Informação. Primeiro, foi o ministro João Gomes Cravinho quem, numa audição parlamentar em julho, foi questionado respondendo que "aquilo que aconteceu foi uma manifestação de interesse por parte das indústrias de defesa nos seus préstimos".
"Passado algum tempo foi proposto pela idD que ele assumisse a presidência de uma pequena empresa que carecia de alguma atenção, a empresa estava a ser presidida pelo próprio presidente da idD o que não permitia uma atenção permanente, julgo que os desafios que essa empresa tem e as qualidades que Alberto Coelho traz são adequados um para o outro", dizia João Gomes Cravinho, hoje ministro dos Negócios Estrangeiros mas que à época tutelava a Defesa.
Posteriormente, em novembro, foi Marco Capitão Ferreira a implicar o ministro também na Assembleia da República: "O estatuto de gestor público claramente diz que quando se trata de nomeação de administrações, havendo ou não havendo uma sociedade pública que é uma holding, essas nomeações são da competência das tutelas financeiras e setorial, devidamente articuladas. Sobre esse assunto, é isso que tenho a dizer".
Não obstante, o deputado do PSD Carlos Reis ainda insistiu na pergunta sobre de quem tinha partido a proposta e foi o próprio presidente da Comissão de Defesa Nacional, Marcos Perestrelo, quem disse que Capitão Ferreira tinha sido claro e que a nomeação era da exclusiva responsabilidade dos ministros setorial e financeiro, tendo Marco Capitão Ferreira anuído.
Mais tarde, confrontado pela TSF, Marco Capitão Ferreira corroborou a versão de Gomes Cravinho. "A nomeação ocorreu efetivamente com base numa manifestação de interesse que foi por nós veiculada face à disponibilidade do próprio [Alberto Coelho] por ter terminado o mandato", explicou o responsável notando, no entanto, que a competência para nomear é das tutelas e que tinha sido a isso que tinha dado resposta no parlamento.
Cinco meses depois, importa agora perceber se os novos governantes mantém a confiança em Alberto Coelho para continuar a liderar a empresa e essa é a pergunta à qual a TSF ainda aguarda resposta. No entanto, de outubro de 2020 vem a promessa do ex-ministro da Defesa: na sequência dos resultados, serão tiradas as "devidas consequências".
Alberto Coelho "não tinha condições políticas para ser nomeado"
O deputado Carlos Reis, voz ativa contra a polémica do Hospital Militar e a nomeação de Alberto Coelho para a administração da Empordef, afirmou, esta manhã, em declarações à TSF, que a decisão do Ministério Público veio confirmar as dúvidas que havia manifestado em relação a este caso.
"A pandemia não poderia ser uma desculpa para a despesa pública descontrolada e aquilo que se passou no Hospital Militar de Belém foi isso. A empreitada ultrapassou três vezes mais o seu valor, e depois, em todo o processo que se seguiu, além da enorme derrapagem em relação ao valor inicial, houve uma inexplicável classificação de um documento de auditoria como confidencial, que ainda adensou mais estas dúvidas que tínhamos em relação a esta empreitada", referiu.
Carlos Reis recordou que o PSD sempre defendeu que, até ao esclarecimento dos acontecimentos, Alberto Coelho não deveria ter assumido funções na Empordef.
"Alguém que tinha estado numa função tão importante e no cerne de toda esta questão do Hospital Militar de Belém não tinha condições políticas para ser nomeado para uma empresa participada do Estado. Demos conta disso em audição no Parlamento, ao sr. ministro [João Cravinho], ao sr. presidente das Indústrias de Defesa, que agora foi nomeado secretário de Estado [Marco Capitão Ferreira]. Mantemos a mesma posição. Entendemos que não se deve nomear alguém quando a situação no Hospital Militar de Belém estava por esclarecer", reparou.
*Notícia atualizada às 13h16 com a reação do deputado do PSD Carlos Reis