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O constitucionalista Tiago Serrão considera que, "do ponto de vista constitucional", uma alteração à lei para impedir que familiares de governantes possam concorrer a fundos europeus "revela-se complicada".
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No texto publicado no jornal Público, Ana Abrunhosa garantiu que nenhuma ilegalidade foi cometida e, embora não concorde, sugere que seja alterada a lei para inibir os cônjuges de governantes de se candidatarem a esses fundos. Ora, de acordo com o constitucionalista Tiago Serrão, essa via constitucionalmente delicada.
"Uma mudança da lei de forma a inibir um cônjuge de um governante de apresentar candidaturas a fundos europeus é aquilo a que podemos chamar uma opção política legislativa. Ou seja, é uma opção do legislador, leia-se da Assembleia da República ou do Governo, desde que autorizado pela Assembleia da República. Agora, essa opção política legislativa, do ponto de vista constitucional, revela-se complicada", afirma o constitucionalista à TSF.
Tiago Serrão explica que "uma inibição desse tipo implica uma restrição de direitos fundamentais desse cônjuge que não é governante", o que põe em causa o princípio da equidade e "aquilo que se chama o princípio da proporcionalidade". "Ou seja, uma opção desse tipo pode revelar-se excessiva", refere.
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Ouça as explicações de Tiago Serrão à TSF
Para o constitucionalista, estes casos poderiam ser resolvidos com medidas que não necessitam de alterações à lei: "Este tipo de procedimentos carece de uma maior transparência, com publicidade alargada de todas as candidaturas, de todas as decisões, maior eficiência administrativa na tramitação destes procedimentos, o que não se sucedeu neste caso. Estes procedimentos demoram meses e meses. Não é concebível essa falta de eficiência administrativa."
"Outro dos problemas", analisa Tiago Serrão, "são as próprias plataformas que são verdadeiramente arcaicas".
"Grande parte dos problemas que têm sido citados nos últimos dias, diria que se resolvem eventualmente com outro tipo de medidas. Muitas das quais nem sequer carecem de mudança legislativa. Todo este tipo de medidas traria, a meu ver, maior transparência a estes procedimentos de atribuição de fundos", considera.
Tiago Serrão diz que atualmente "as exigências dos cidadãos são diferentes de há 30 anos" e "o grau de escrutínio é maior e ainda bem que o é".
"Creio que a lei deve possibilitar esse escrutínio de modo alargado, mas há barreiras constitucionais e direitos fundamentais que devem ser respeitados e a restrição a esses direitos não pode ultrapassar determinadas linhas vermelhas", avisa.
No texto publicado no jornal Público, a ministra da Coesão Territorial assumiu que "poder candidatar-se a apoios europeus é um direito que todos os cidadãos e empresas têm" e que o marido, enquanto cidadão e empresário, não pode ser privilegiado por ser casado com uma governante, mas também "não deveria ser prejudicado por essa mesma realidade".
"Se não for assim, e se de facto se considerar justo que familiares de governantes fiquem inibidos de direitos, como o de apresentarem candidaturas a apoios europeus que estão disponíveis a todos os portugueses e em cujos processos de decisão os governantes não têm qualquer participação, então é necessário mudar a lei", sugeriu.
Contudo, no parágrafo seguinte, Ana Abrunhosa mostra que discorda dessa ideia: "Tenhamos presente que, se isso acontecer, estaremos a ampliar ainda mais um quadro de supressão de direitos e a alimentar um clima de desconfiança e permanente suspeita sobre a classe política, tornando ainda mais difícil trazer pessoas competentes para o serviço público."