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Foi uma escolha pessoal de António Costa para a presidência da ANMP. Se Costa for reeleito, será uma presidente da ANMP alinhada com o discurso do líder do Governo?
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Espero que António Costa ganhe as eleições no dia 30 de janeiro, e eu serei a presidente dos autarcas nacionais alinhada com o discurso dos autarcas. É nessa condição que estarei a liderar a Associação dos Municípios e farei as pontes que terei de fazer com o Governo, com a Assembleia da República, que será essa uma das minhas funções.
É a primeira mulher a assumir a liderança da ANMP. É um marco na nossa vida política ou não o valoriza particularmente?
Eu creio que era bom que deixasse de ser notícia, mas ainda é. Ainda é porque, na verdade, há poucas mulheres a liderar as autarquias e, portanto, também por isso é importante que haja um espaço para uma mulher poder liderar a ANMP. Espero que a passagem de pessoas como eu contribua para que o facto de ser mulher ou ser homem deixe de ser algo importante e passe a ser algo natural.
Apenas 34 municípios são liderados por mulheres, 45 anos depois de termos o poder local eleito. Quais os fatores que condicionam uma participação mais equitativa?
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Tem a ver com a própria organização, com a forma como são eleitos os candidatos ou as candidatas, as estruturas da organização dos partidos ou dos movimentos, que ainda estão muito condicionados pela presença mais significativa masculina, e muitas vezes pela própria organização e disponibilidade das mulheres, que não fazem questão de ocupar esses lugares. Querem participar e participam. Nas autarquias, por exemplo, há cada vez mais vereadoras.
Acha que é da própria responsabilidade das mulheres?
Não digo que seja. A organização da vida e a própria atitude fazem com que assim aconteça, porque é assim que a organização partidária ainda funciona. O processo está mais lento do que seria normal.
Há três competências essenciais na descentralização (educação, ação social e saúde) cujo prazo para que as autarquias assumam termina a 31 de março de 2022. Os autarcas do PSD já pediram mais tempo. É favorável a essa prorrogação?
A situação que temos neste momento permite que avancemos para a execução dessas competências a 1 de abril. É claro que a pandemia também criou entropias no funcionamento das próprias autarquias. Quando poderíamos ter tido um cenário de mais preparação, estivemos muito focados no combate à pandemia. Mas sabemos todos há muito tempo que 1 de abril é o dia em que temos de exercer as competências. Portanto, a par de todas as tarefas que tivemos de realizar, também tivemos condições para fazer essa. Também houve ocasião para se fazerem as avaliações financeiras, que é um dos temas, portanto está tudo em condições de avançar no dia 1 de abril.
Seja qual for o Governo?
Não estou a fazer depender esta posição do Governo. As autarquias têm a sua situação estabilizada e o processo de preparação de execução destas competências nem depende do que resulte do dia 30 de janeiro. Estando em curso o processo já há alguns meses, tendo os autarcas todos condições para as pôr em marcha, devemos fazê-lo. Porque reivindicámos durante muitos anos estas competências. Mais importante do que a data, há necessidade de haver um canal de comunicação com o Governo porque, quando seja demonstrada a impossibilidade de pôr em marcha as competências, tem de haver a possibilidade de rever um ou outro ponto.
Do ponto de vista financeiro?
Do ponto de vista financeiro, mas também de recursos humanos. Por vezes as autarquias terão de contratar mais recursos humanos e isso exige um reforço financeiro. Não podemos considerar este assunto absolutamente fechado. Se for necessário rever as regras de comparticipações financeiras, esse canal tem de estar aberto. É preciso que haja aqui uma relação recíproca em que os municípios estejam disponíveis para pôr em prática estas competências, mas também, se se verificar que não é exequível, haver da parte do Governo disponibilidade para se sentar com os municípios e aferir-se.
A anterior presidência da Associação de Municípios assentou muito a sua visão do processo na negociação de competências de forma universal. Partilha dessa visão, ou deve haver possibilidade de negociação de uma forma mais individualizada?
Creio que o princípio deve ser o da universalidade. Mas deve haver sempre um canal de negociação para se tratar de forma excecional o que for excecional. Não devemos permitir que haja alguma situação de rutura, de gravidade, apenas por uma abordagem cega às dificuldades que possam existir. Quer nas questões financeiras, quer nas situações excecionais, creio que a palavra-chave é diálogo e negociação. Sempre que haja necessidade de rever um ou outro aspeto, a ANMP deve levar as suas posições e o Governo deve estar disponível para as ouvir e adaptar o que for necessário. Esta descentralização de competências não pode traduzir-se num modelo a vários níveis. Temos um país a uma velocidade e não podemos, por via da descentralização, criar várias velocidades no país. Existem algumas assimetrias que devem ser eliminadas. Não devem ser agravadas.
Depois de estarem estabilizadas estas competências já consagradas, quais entende que podem ser outras áreas a passar para as mãos dos municípios?
Não me parece que devamos pôr em cima da mesa novas áreas. É importante um tempo para garantirmos a estabilidade da execução destas competências. Haverá altura para as discutirmos, mas creio que o importante mesmo é nesta altura conseguirmos garantir a tal homogeneidade, a tal qualidade na prestação de serviços e no reforço do apoio às comunidades que esta descentralização tem de significar.
Uma das principais críticas que se fazem a este processo, além do pacote financeiro, é o facto de os municípios estarem a ser tratados como tarefeiros. Concorda com esta visão?
Espero que não sejam. Neste momento, a situação que conheço naturalmente que é muito reportada ao meu município, estou a iniciar funções e não conheço a realidade da generalidade dos municípios. Mas, feitas as contas, verifica-se que nalgumas áreas vai ser difícil manter o nível de serviço à comunidade sem que haja mais apoios. Neste momento, muitos serviços que estão ainda na Administração Central não estão a cumprir as suas obrigações como deveriam. A sra. ministra Alexandra Leitão tem dito que o Governo está a distribuir para as autarquias o mesmo volume de despesa que neste momento tem. O problema é que, muitas vezes, esse volume não tem sido suficiente para garantir a qualidade à população. E, portanto, os municípios temem que, recebendo apenas estes montantes, não possam pôr em prática a verdadeira política de apoio à comunidade.
Acredita que o seu mandato será o de concretizar a regionalização?
Espero que a próxima legislatura seja a que irá desencadear o processo de regionalização, sim. Acabou por quase coincidir o mandato autárquico com a legislatura que vai começar, portanto acho que a próxima legislatura é o momento.
O país está preparado?
Na primeira fase da legislatura dos nossos mandatos autárquicos, é muito importante consolidar o processo da descentralização. Será a melhor forma de preparar o país. Porque se os cidadãos compreenderem que neste nível mais próximo de execução das competências a sua vida de facto é melhor, e a comunidade como um todo funciona melhor, é talvez o ponto que falta para as pessoas perceberem que a regionalização não significa só mais um patamar de decisão política, mas um upgrade nas suas vidas. Foi difícil demonstrar isso às pessoas. Isso, aliás, gerou este arrastar no tempo, porque se teme que o referendo possa não colher o apoio da maioria dos portugueses.
É favorável à escolha dos presidentes das áreas metropolitanas por sufrágio direto, como chegou a estar em cima da mesa?
Sim, é uma etapa que pode acontecer, mas creio que poderíamos avançar diretamente para um processo de escolha dos presidentes das regiões e não era necessária a escolha direta dos presidentes das áreas metropolitanas. Já tivemos a escolha indireta dos presidentes das comissões de coordenação de desenvolvimento regional (CCDR) através dos autarcas, mas precisamos agora de um órgão regional legitimado diretamente.
Já conhece a proposta da nova lei orgânica para as CCDR?
Não, não conheço. Temos de trabalhar no sentido de ir reforçando as CCDR para que este modelo das NUT2 se aproxime do modelo de regionalização. Portanto, reforçar as CCDR, tal como aconteceu agora com a eleição dos presidentes indiretamente através dos autarcas.
A pandemia mostrou a capacidade de os municípios estarem na linha da frente no apoio às pessoas. Acha que todas as autarquias passaram bem neste teste?
Na grande generalidade, creio que sim. Que, aliás, foram o pilar da resposta às comunidades. E sim, foi um momento único da demonstração da importância do poder local, em que as pessoas perceberam diretamente aquilo que significava ter um poder local próximo, robusto, preparado, e munido dos recursos para responder a este momento mais difícil. Assim como também é importante agora, em que temos recursos para o serviço do país, das comunidades, das empresas, das famílias. Temos os recursos europeus e, mais uma vez, as autarquias serão decisivas.
Em setembro, o anterior presidente da ANMP disse recear que não houvesse tempo para executar o PRR, devido às regras da contratação pública. Como é que está a correr esse trabalho de casa dos municípios?
O PRR tem um prazo de execução muito curto, esse é uma das dificuldades. E percebo que tenha de haver alguma coordenação para garantirmos que Portugal, que foi o primeiro a apresentar o plano, não fique agora para trás na sua execução. É preciso que haja articulação entre a unidade de coordenação do PRR e as CCDR, entre as CCDR e as autarquias. Não considero desadequado que haja uma coordenação de todas as candidaturas dos vários eixos. Mais do que reclamar contra o modelo, é preciso acelerarmos muito o trabalho e estarmos muito coordenados.
Partilha das críticas de que o acesso ao PRR é muito desigual para as autarquias de baixa dimensão?
Creio que esse é um problema. E temos outro: dificuldades em encontrar equipas técnicas, parcerias empresariais. E nos territórios de baixa densidade isso será mais difícil. Entendo que uma das ajudas que a Associação Nacional dos Municípios poderá dar é disponibilizar recursos técnicos para as autarquias com menos recursos.
E haverá essa capacidade?
Espero que haja. Não havendo, temos de a preparar. Porque se há um momento em que podemos atenuar as diferenças, é exatamente este. Este é o momento decisivo para o futuro do país, porque estamos agora a trabalhar no PRR, está na altura de começarmos a preparar o 2030. Nunca antes houve este volume de verbas. Não tem a ver com a mudança do ciclo na Associação de Municípios, tem a ver com o momento que o país e a Europa vivem. Estamos a iniciar funções num momento único.
Vivemos um tempo em que as questões ambientais são uma prioridade. Sendo presidente da Câmara de Matosinhos é inevitável falar sobre a refinaria como a face mais visível das dores desta transição. Como é que se pode aprender com o caso?
No primeiro dia depois das eleições, abri o gabinete de apoio aos trabalhadores. Temos dezenas de trabalhadores muito qualificados, a quem estamos a encaminhar para alternativas de trabalho. Há formação muito cara e essa é uma das primeiras aplicações do fundo de transição justa. Neste momento, estão aprovados 60 milhões de euros para Matosinhos.
E em relação aos terrenos?
A Galp está a desenhar o "masterplan" que determinará o que acontecerá naquela localização, que envolve não só os 200 hectares da refinaria, mas outras áreas que a Galp tinha. Uma parcela será passada para o interesse público, para a Câmara ou outra entidade, para ali ser construída uma nova área de investigação de conhecimento em que a Universidade do Porto liderará. O restante será ainda uma proposta que a Galp apresentará de acordo com as regras do PDM. Apenas um limite de 10% pode ser destinado para habitação.