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Corria o mês de janeiro quando chegou a notícia de que José Miguel Fernandes se demitia do cargo de presidente do Conselho de Administração do Arsenal do Alfeite. Porquê? "Motivos pessoais." Sem quaisquer explicações aos trabalhadores ou no parlamento sobre uma saída que não se esperava, eis que é contratado logo no mesmo mês para assessor na idD - Portugal Defence, a empresa holding do Arsenal do Alfeite.
À TSF, a Comissão de Trabalhadores recorda que a justificação oficial que recebeu para a saída do anterior presidente foi a de que se tratava de "motivos pessoais". António Pereira, representante dos trabalhadores do Alfeite, diz que "poderá ter havido algumas divergências com outros elementos [da administração]", mas que não sabem o que aconteceu ao certo.
"Esta era uma aposta do presidente da idD, Marco Capitão Ferreira. Ele [José Miguel Fernandes] já tinha estado no Arsenal e, se [Marco Capitão Ferreira] voltou a convidá-lo, seria da sua confiança. Alguma coisa não correu como previsto e ele saiu do Arsenal, daí ter ido para idD. Mas nós não sabemos quais são os motivos", nota António Pereira para quem esta saída de um lado para entrar na holding é "extremamente curiosa".
"É mais uma daquelas que acontece no nosso país. Não é uma coisa fácil de entender, sair por motivos pessoais e depois ter disponibilidade para estar na idD", comenta.
Sem entrar em detalhes, o presidente da idD, Marco Capitão Ferreira, confirma à TSF que "José Miguel Fernandes é quadro da empresa com a categoria de assessor, estando a trabalhar no contexto da elaboração de um estudo compreensivo sobre a Economia de Defesa, em articulação com o respetivo responsável".
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E esta não é a primeira vez que as contratações na área das indústrias da defesa chegam às notícias. Em fevereiro de 2021, a TSF dava conta de que a idD tinha recrutado, "pela segunda vez num ano, em gabinete ministerial", seguindo uma notícia do Diário de Notícias: "Porta giratória" do governo para as empresas marcam escolhas de Cravinho.
Mais recentemente chegou às manchetes a nomeação de Alberto Coelho para liderar a EMPORDEF - Tecnologias de Informação SA, ele que é visado na auditoria da Inspeção-Geral de Defesa Nacional pela derrapagem de mais de dois milhões de euros nas obras do antigo Hospital Militar de Belém, como revelou a TSF.
PSD fala em "plataforma de interesses" e teme que Alfeite seja reedição dos Estaleiros de Viana
Desde que foi tornada pública a saída de José Miguel Fernandes que o PSD tentou ouvi-lo no parlamento, mas o requerimento acabou por ser chumbado com votos contra do PS e abstenção do PCP, isto numa altura em que não se sabia ainda da contratação deste responsável para a empresa-mãe.
Agora, a coordenadora da Defesa na bancada do PSD, Ana Miguel dos Santos, vem pedir explicações à tutela considerando que "o que está a acontecer no Ministério da Defesa não para de surpreender".
Ana Miguel Santos fala numa "plataforma de interesses"
"São notícias sobre Hospital Militar de Belém, confusões com nomeações de gabinetes, exonerações de Chefes... O PSD está muito preocupado com as indústrias de defesa, notícias de nomeações e desnomeações na idD, aquilo que nasceu como plataforma de apoio às empresas parece, sem dúvida, estar transformado numa plataforma de interesses", critica a deputada.
Mas a preocupação do PSD vai mais além. Sublinhando que a empresa, em dois anos, "teve três conselhos de administração", Ana Miguel dos Santos diz que "o plano de investimento que chegou a ser anunciado ainda não saiu do papel, está moribundo".
"O que nós tememos é que venha a acontecer ao Arsenal do Alfeite aquilo que aconteceu aos Estaleiros Navais de Viana do Castelo, até porque os responsáveis são os mesmos", conclui em declarações à TSF.
Ouça os receios de Ana Miguel Santos
PCP não se espanta: "Eles têm sido sempre os mesmos"
Questionado pela TSF sobre o porquê de ter rejeitado a audição de José Miguel Fernandes, o deputado comunista António Filipe desvaloriza e explica que, na altura, o partido achava importante ouvir quem tinha entrado e não quem saíra, além de que estava na calha uma audição ao ministro Gomes Cravinho precisamente sobre o Arsenal do Alfeite.
Sabendo agora desta "dança de cadeiras" nas indústrias de defesa, António Filipe não fica espantado porque já o viu acontecer outras vezes ao longo dos anos. "Eles têm sido sempre os mesmos, o pessoal das estruturas de topo das indústrias de defesa vão rodando de umas para as outras, ja não é coisa que me espante por aí além", nota o deputado em conversa com a TSF.
"Tem sido assim, tem sido assim. Desde termos já administradores que acumulavam Arsenal do Alfeite e Estaleiros Navais de Viana, desde os Estaleiros de Viana a pagarem dívidas do Arsenal e o contrário... Isto tem andado sem rei nem roque e isso é que é preocupante", destaca António Filipe que, não querendo fulanizar, aponta à "responsabilidade política de sucessivos governos, do atual também, relativamente à situação do Arsenal do Alfeite".
Ouça as declarações de António Filipe
"Não é o administrador A, B ou C, isso é pouco relevante para a situação dos estaleiros. Seja quem for o administrador, é preciso é que haja solução para aquilo e isso não tem havido", diz o parlamentar que aponta para o Terreiro do Paço, nomeadamente para as Finanças: "não há maneira de abrir os cordões à bolsa relativamente ao que é preciso fazer no estaleiro".
Já Diogo Leão, o coordenador da defesa da bancada do PS e que chumbou a audição do ex-presidente do Alfeite, disse à TSF não ter conhecimento da ida deste quadro para a idD, mas vê "com naturalidade" a contratação de alguém com esta experiência.