O Conselho Nacional marcado para esta noite em Guimarães promete ser tenso, de discursos acalorados e com muitas jogadas de bastidores. Spoiler alert: Rui Rio, o protagonista principal, vai sobreviver a mais esta temporada. Se sobrevive no fim da série, são os eleitores que vão decidir.
Se gosta de intriga política, não dispensa uma boa guerra partidária e aprecia alguma ação e suspense, esta é a noite para pegar no balde das pipocas, sentar-se confortavelmente no sofá e acompanhar em tempo real - pode ser na TSF e em tsf.pt - a reunião do Conselho Nacional do PSD. O partido onde a realidade já ultrapassou tantas vezes a ficção e que já merecia uma série daquelas que nos agarram a noite toda, episódio atrás de episódio, e nos deixam "órfãos" cada vez que temos que esperar pela próxima temporada. Neste caso, não vai ser preciso esperar muito.
O PSD aprova hoje, em Conselho Nacional, o programa e as listas com que o partido se vai apresentar às próximas eleições legislativas. É, na prática, o último episódio de uma temporada que integra a série que estreou no final de 2015 e que tinha Pedro Passos Coelho no papel principal. Até que, em 2017, num twist mais ou menos espectável, Rui Rio assumiu o lugar de protagonista.
Quando a direção nacional do PSD chegar hoje ao hotel MITpenha, em Guimarães, já leva umas boas horas de reunião. A comissão permanente esteve reunida desde a hora do almoço para fechar em definitivo as listas de candidatos a deputados, que, nas últimas semanas, deixaram o partido à beira de um ataque de nervos. Rui Rio tinha prometido uma limpeza e tentou cumprir. Tentou, mas fica claramente aquém. Do banho de ética à vassourada aos críticos, o líder social-democrata acabou por ter de fazer algumas cedências.
Pactos com o diabo
Carlos Reis é, por estes dias, um dos nomes mais relevantes nos bastidores do PSD. Conselheiro nacional do partido, esteve envolvido na operação tutti-frutti, um processo sobre adjudicações entre empresas e autarquias que levou a Polícia Judiciária a fazer buscas em 20 autarquias, à sede do PSD e a várias empresas, uma delas a do próprio Carlos Reis que não chegou a ser constituído arguido.
Carlos Reis foi o homem que liderou a segunda lista mais votada - logo a seguir à lista de unidade de Rio com Santana Lopes - para o Conselho Nacional do PSD no início de 2018, no Congresso que consagrou Rui Rio como presidente do partido. À época, elegeu 13 conselheiros, que se viriam a revelar fundamentais.
Foi a ele que Rui Rio se aliou em janeiro deste ano no Conselho Nacional onde Luís Montenegro desafiou a liderança. Rio ganhou esta batalha, mas tinha um preço a pagar. A "recompensa" para Carlos Reis terá chegado agora, com a direção nacional do partido a impor o seu nome para os lugares elegíveis na lista de Braga. Precisamente o distrito onde o nome de Hugo Soares foi riscado pela mesma direção nacional.
Mas, ao que a TSF apurou, a aliança com Rui Rio não garantiu a Carlos Reis apenas um lugar nas listas. Garantiu-lhe também algum poder na escolha de outros nomes que têm passado à frente das indicações dadas pelas concelhias e pelas distritais do PSD. Em Braga, para além da rejeição de Hugo Soares, foi também excluído da lista João Granja. A direção de Rui Rio impôs André Coelho Lima como número um, Firmino Pereira como número dois e Carlos Reis como um dos nomes que teria que ir em lugar elegível.
Outro dos protagonistas na elaboração das listas é um dos homens de mão de Rui Rio: Salvador Malheiro tem-se desdobrado nas últimas semanas em contactos e jogadas de bastidores para garantir que os candidatos a deputados do PSD são os que a direção nacional quer e não os que as estruturas locais escolheram. Muitas das reuniões com líderes das distritais foram conduzidas pelo social-democrata de Aveiro e algumas acabaram mesmo aos gritos.
Quem se mete com Rui Rio...
Os críticos, os excluídos, os renegados ou os que, pura e simplesmente, decidiram afastar-se pelo seu próprio pé davam quase para compor a lista de um círculo eleitoral: Maria Luís Albuquerque, Carlos Abreu Amorim, José Matos Correia, Teresa Morais, Hugo Soares, Marco António Costa, António Leitão Amaro, Paula Teixeira da Cruz, Miguel Pinto Luz, Miguel Morgado, Pedro Duarte e, claro, Luís Montenegro são nomes que, se não foram riscados à partida, dificilmente aceitariam integrar as listas nas circunstâncias atuais.
O que não significa que "não andem por aí". As movimentações nos bastidores do Partido Social Democrata já começaram há muitos meses e na cabeça dos críticos de Rui Rio está a data de 6 de outubro de 2019, o dia que quase todos antecipam que fique para a história como um dos mais negros da história do partido.
Luís Montenegro, o mais bem posicionado neste momento para suceder ao atual líder do partido, remeteu-se ao silêncio depois do Conselho Nacional de janeiro. Mas não ficou quieto. O ex-líder da bancada parlamentar do PSD tem-se ocupado, sobretudo, com a estratégia para ganhar o partido, mas também com o caminho que terá que percorrer na oposição, caso venha a vencer as eleições no PSD.
Ao seu lado, o fiel amigo Hugo Soares. Um dos protagonistas do Conselho Nacional desta terça-feira em Guimarães, precisamente por ter sido excluído das listas por Rui Rio. Ao que a TSF apurou, Hugo Soares falará à comunicação social à entrada do Conselho Nacional, mas vai reservar o melhor lá para dentro, onde pretende dizer, cara à cara, tudo o que pensa sobre a estratégia - ou a falta dela - do presidente do PSD.
Entre os excluídos estão outros putativos candidatos à liderança do PSD. Miguel Pinto Luz é um deles. Sugerido pela distrital de Lisboa - liderada por Pedro Pinto -, acabou por ver o seu nome riscado pela Comissão Política Nacional. À TSF, esta terça-feira, lembrava, irónico: "Apenas há uns meses, Rui Rio dizia que o PSD não se deve apresentar a eleições como um clube de amigos... Isto diz tudo, concordo absolutamente."
Mais discreto, Miguel Morgado, deputado e ex-assessor político de Passos Coelho, tem-se mantido distante da polémica das listas. A TSF sabe que Morgado - que lançou, em março deste ano, o Movimento 5.7 - já teria feito saber que não estava interessado em integrar as listas do PSD, em coerência não só com o que tem defendido para o PSD, mas sobretudo com as críticas que tem feito à liderança de Rui Rio. O futuro próximo de Miguel Morgado, depois de 6 de outubro, passa pela faculdade, onde dá aulas, atento, no entanto, aos desenvolvimentos dentro do partido.
A ex-ministra das finanças, Maria Luís Albuquerque, não vai estar presente no Conselho Nacional desta terça-feira. Sugerida pela distrital de Setúbal e riscada pela direção de Rui Rio, Albuquerque remete-se, para já, ao silêncio.
Já António Leitão Amaro, uma das jovens promessas do PSD a quem Passos Coelho deu muito palco, anunciou em março a Rui Rio que não pretendia continuar no Parlamento. O ainda deputado eleito por Viseu vai dedicar-se, para já, a escrever a sua tese de doutoramento e depois... depois logo se vê.
Trocas e baldrocas
Entre os que Rui Rio quer ver afastados das listas e os que as concelhias e distritais querem lá meter, a guerra dos nomes tem alimentado uma verdadeira novela no PSD. Há de tudo, como na farmácia: nomes que a direção nacional rejeitou, nomes que foram impostos por Rui Rio e até nomes que rejeitaram o lugar que lhes estava a ser proposto.
Terá sido o caso de Luís Marques Guedes. Ao histórico social-democrata - que já foi vice-presidente de Manuela Ferreira Leite - terá sido proposto ser o segundo na lista de Leiria, ideia que Marques Guedes rejeitou. Na comissão permanente que decorre durante esta tarde de terça-feira, estará ainda a ser procurada uma solução que permita ao partido continuar a contar com Luís Marques Guedes, "um jogador que nunca deixa a equipa ficar mal e que muitas vezes resolve", como descrevia uma fonte social-democrata à TSF.
Outros dos casos bicudos com que Rui Rio teve que lidar nas últimas semanas foi o de Duarte Marques. O ex-líder da JSD terá sido proposto por cinco vezes pelas concelhias de Santarém, mas foi riscado pela distrital. Teve de ser a direção nacional do partido a impor o nome de Duarte Marques, que deverá ter lugar elegível assegurado nas listas.
"Vai ser feio"
Se ninguém espera um Conselho Nacional pacífico esta noite em Guimarães, a verdade é que também ninguém acredita que Rui Rio saia de lá com uma derrota - o que, no caso, seria ver chumbadas as listas que vai apresentar. Mesmo sendo a votação por braço no ar. Nenhum crítico quer ficar com o ónus das consequências que uma decisão dessas teria para o partido a pouco mais de dois meses das eleições legislativas. Mas há uma coisa que todos têm como certa: o debate dentro da sala não vai ser suave. À TSF, um dos conselheiros antecipa mesmo que "vai ser feio."
Bruno Vitorino, líder da distrital de Setúbal que se autoexcluiu das listas depois de ver o nome de Maria Luís Albuquerque riscado pela direção nacional, garante que sabe exatamente ao que vai. Sem grandes expectativas, faz questão de marcar presença no Conselho Nacional para "dizer o que pensa e o que sente". E esse é um estado de alma que está longe de ser pacífico, desde logo porque o processo em Setúbal, a distrital que lidera, foi "sui generis". Bruno Vitorino lembra que "não foram respeitados os estatutos" e acusa a direção de Rio de ter imposto um método "completamente antidemocrático e anti-estatutário".
Mas não são só as listas (ou os nomes) que causam comichão ao líder da distrital setubalense. É também o programa eleitoral que lhe merece um enorme ponto de interrogação. O líder do PSD Setúbal recorda que são apenas conhecidas "meia dúzia de áreas" e questiona-se como é que pode ser feita a aprovação de um programa que ninguém conhece: "Vai ser discutido ali?", pergunta.
Os dois meses mais curtos de Rio
Depois da reunião do Conselho Nacional desta noite, Rui Rio tem pouco mais de 60 dias para contrariar as sondagens que dão ao PSD, na melhor das hipóteses, 23% dos votos e, na pior, 20%. Até ao dia 6 de outubro - data das eleições legislativas - Rio terá que conseguir mobilizar o partido e, mais importante ainda, um eleitorado que parece estar cada vez mais distante.
No Conselho Nacional desta noite, a direção nacional do partido vai apresentar as listas para os 22 círculos eleitorais. Dos cabeças de lista anunciados, apenas sete são repetentes. Os restantes 17, são caras novas, uma aposta em gente jovem que traduz a promessa de Rio em rejuvenescer o partido. Entre elas estão Filipa Roseta (por Lisboa), Hugo Carvalho (Porto), Mónica Quintela (Coimbra), Nuno Carvalho (Setúbal), Isaura Morais (Santarém), André Coelho Lima (Braga), Ana Miguel Santos (Aveiro), Jorge Mendes (Viana do Castelo), António José Miranda (Portalegre), Fernando Ruas (Viseu), Henrique Silvestre Ferreira (Beja), Cláudia André (Castelo Branco) e Sónia Ramos (Évora).
Carlos Peixoto, Adão Silva, Luís Leite Ramos, Carlos Gonçalves e José Cesário são os únicos cabeças de lista que repetem a candidatura de 2015. Entre os deputados da atual bancada parlamentar, Rui Rio repescou ainda Margarida Balseiro Lopes e Cristóvão Norte.
Paulo Moniz é a escolha para encabelar a lista dos Açores e Miguel Albuquerque, presidente do Governo Regional, é o número um da Madeira.
Significa isto que, dos atuais 89 deputados do PSD, mais de metade devem deixar o Parlamento na próxima legislatura.