A uma semana das eleições em que também se vai decidir quem será o candidato do PSD a primeiro-ministro, Rui Rio afirma que os militantes que não obedecem a "chefes" estão consigo, por contraste com o adversário, ancorado no aparelho. Não dá as diretas como ganhas, mas não tem dúvidas de que é o candidato com maior capacidade de agregar o voto à Direita.
Tem feito contas à vida? Tem alguma perspetiva sobre como é que vai correr a eleição no PSD?
Não sei qual será o resultado. Mas sei como é que as coisas estão e sei que o meu adversário tem mais aparelho partidário com ele do que eu. Na contabilidade de concelhias e distritais, tem mais do que eu. Mas naquilo que é a vontade dos militantes, que são quem vota, eu tenho mais do que ele.
Está a falar do voto livre...
Todos os votos são livres, cada pessoa vota em quem quer. Mas há por esse país fora um conjunto de militantes que tem tendência em votar em quem o chefe local manda votar. Se essa percentagem fosse hoje tão elevada quanto já foi no passado, a minha situação seria mais difícil. Mas a verdade é que o conjunto de militantes que pensa pela sua cabeça - em vez de obedecer às ordens do presidente da Concelhia ou da Distrital, do presidente da Junta ou da Câmara - e que vota livremente, tem vindo a aumentar. Se o meu adversário ganhar, é sinal que o aparelho tem uma influência grande sobre os militantes. Se eu ganhar é sinal que há um maior número de militantes livres...
Se vencer as diretas vai incluir apoiantes de Paulo Rangel nas listas de deputados do PSD, em lugares elegíveis e porventura até em lugares de destaque?
Convém esclarecer que, se for eu a vencer, não sou eu que faço a lista de deputados. E se for Paulo Rangel a vencer, não é ele que faz a lista. Esta discussão está inquinada. Quem fazia a lista toda, há muitos anos atrás, era o professor Oliveira Salazar. Fazia a lista da União Nacional. E o professor Marcelo Caetano fazia a lista da Acão Nacional Popular. E até lá integrou Pinto Balsemão e Sá Carneiro. Não é assim no PSD. O presidente do partido é aquele que tem a palavra mais forte, mas no quadro de muitas palavras e de muita articulação: concelhias, distritais, até chegar ao Conselho Nacional, que é quem decide. Na parte que me toca, tenho uma hierarquia de valores. Um dos aspetos importantes é a competência. Outro tem a ver com a lealdade. Mas para ser concreto na resposta à sua pergunta, depende: uns sim, outros não.
Aquilo de que o acusam é de que não é agregador...
Isso é uma mentira muito grande. Vamos ver o que eu fiz. Qual foi o primeiro ato, depois de ter sido eleito presidente do PSD pela primeira vez? Foi convidar o meu adversário direto, Pedro Santana Lopes, para liderar a lista ao Conselho Nacional. O segundo ato foi convidar para número dois dessa mesma lista alguém que não me tinha apoiado nessa eleição, Paulo Rangel. O terceiro ato foi propor ao grupo parlamentar que escolhesse para líder Fernando Negrão, que tinha sido mandatário de Santana Lopes. E depois, quando escolhi um cabeça de lista para o Parlamento Europeu voltei a escolher alguém que não me tinha apoiado, Paulo Rangel. E quando fui escolher cabeças de lista para as eleições de 2019 escolhi muita gente que, não só não me apoiou, como me guerreava todos os dias. Mais agregador do que isto é difícil. Até fui criticado na altura por, com tanta agregação, estar a cavar a minha sepultura. Acho que tinham uma certa razão. Estes quatro anos e particularmente os dois primeiros foram um inferno. Só é agregado quem quer ser agregado. É por isso que a componente da lealdade é muito importante. Mas lealdade não significa que a seguir, numa nova eleição, estejam obrigados a votar em mim.
Está a descrever o que se passa no PSD como um inferno mas insiste em manter-se nesse inferno.
Estou a referir-me sobretudo aos primeiros dois anos. A partir do momento em que passei a ter este grupo parlamentar, diferente do grupo parlamentar anterior, obviamente que funcionou muito melhor.
Se ganhar o PSD e voltar a perder umas eleições legislativas vai continuar como líder? Já deu a entender que sairia, mas entretanto retificou ou esclareceu que não será necessariamente assim. Em que ficamos, sai ou fica?
Se perder as diretas, saio.
E sai de vez da política?
Sim, com alto grau de probabilidade. Só não lhe dou 100% porque na vida é muito difícil dar os 100%. Mas dou-lhe 99,9%.
Mas se ganhar o PSD e perder as legislativas, sai ou fica?
O partido meteu-se numa situação em que está a fazer diretas e congresso e depois tem as eleições legislativas de janeiro. O que está a sugerir implica que se chega a fevereiro e convocam-se outra vez diretas para março ou abril e um congresso para abril ou maio. Vamos andar, mês sim, mês não, a fazer diretas e congressos?
Depreendo então que fica, mesmo que perca as legislativas.
Numa situação de normalidade, se eu não ganhar as eleições, o lógico é que saia. Vou ficar aqui até ter 80 anos a ver se ganho umas eleições? Não faz sentido. Mas criaram aqui uma situação em que, perante os resultados de janeiro, se for eu o líder e o resultado for mau para mim, e se eu sair por essa razão, que é mais ou menos óbvia, lá está outra vez o partido em turbulência.
Ou seja, perdendo as eleições e tendo em conta que não quer envolver o partido numa outra turbulência, ficará pelo menos dois anos.
Não estamos numa situação normal. Não sei que lhe diga. Mas o normal é sair, atenção. Eu só estou aqui com algum cuidado porque nada disto faz assim um sentido muito grande. Criaram aqui um problema.
Manifestou a sua simpatia por uma coligação com o CDS. Paulo Rangel acha que o PSD deve ir sozinho a votos. O que ganha o PSD em fazer uma coligação com um partido que aparentemente está a caminho da irrelevância?
O que fiz foi por o tema em cima da mesa. Não foi para votar nem para decidir. Foi para pensar. E a opinião dominante foi a de que o PSD deve ir sozinho e, portanto, não fazermos uma coligação.
E em relação à Iniciativa Liberal? Também admitiu coligações pós-eleitorais. Que tipo de ministérios é que se veria a atribuir à IL?
Não sei se a Iniciativa Liberal também quer ministérios ou secretarias de Estado.
Não conversou com a IL?
Nada! Zero! A única coisa que estou a dizer é que não excluo à partida.
Já com o Chega...
... já com o Chega, excluo à partida, aí está a diferença.
Desistiu de ver o líder do Chega, André Ventura, a moderar-se...
Não é só isso. Ele diz que só há acordo se houver coligação. Eu nunca coloquei as coisas assim. O que eu disse foi: se o Chega se moderar, podemos falar. Mas nunca me referi a uma coligação ou a ministros do Chega no Governo. Assim, está fora de questão.
Se vencer as legislativas, mas precisar dos votos dos deputados do Chega para chegar a primeiro-ministro, mesmo sem um acordo, vai sentir-se confortável?
Não tenho os votos do Chega. Eu não aceito uma coligação, nem que entrem ministros do Chega no Governo. E a direção do Chega diz que, sendo assim, não tenho os votos do Chega. Portanto, não tenho os votos do Chega.
Nos Açores, o acordo com o Chega não correu bem e isso não é bom para a Direita...
A situação dos Açores vem provar uma coisa: se o voto é muito fragmentado, se o povo português dispersar muito o seu voto e houver muitos partidos com um deputado ou dois, começa a ser difícil.
Teme que o Chega, com esta crise política, possa crescer à custa do PSD?
Ninguém tem certezas de nada, mas acho que se for eu o candidato do PSD a primeiro-ministro, haverá concentração de votos à Direita no PSD, porque se torna numa verdadeira alternativa ao PS. É a minha convicção.
O que está a dizer é que se for Paulo Rangel o Chega crescerá à custa do PSD...
A minha convicção é que se alternativa do PSD for mais fraca, há tendência para uma maior fragmentação na Direita. Se a alternativa do PSD for mais forte, haverá menos fragmentação à Direita.
Acusou Paulo Rangel de ter posições iguais às do PCP e do BE no que diz respeito ao aumento do Salário Mínimo Nacional. Está contra o aumento que é proposto pelo PS? Se for primeiro-ministro, deixará de haver atualizações anuais do salário mínimo?
Não estou contra a lógica de atualizar o salário mínimo nacional todos os anos. Estou a favor. Aquilo que estou contra é uma atualização acima daquilo que a economia pode comportar. O salário mínimo nacional deve subir pelo valor da inflação e pelo valor dos ganhos de produtividade. E admito que, em cima disso, ainda possa ir mais uma coisinha pequenina, para forçar as empresas a modernizarem-se e a não se acomodarem aos salários baixos. Eu quero é nivelar por cima. A economia é que cria as condições para pagarmos melhores salários. A política económica que temos tido, porque o PS é assim e porque sofreu a influência do BE e do PCP, é uma política de distribuição, é uma política que puxa pelo crescimento por via do consumo público e privado. Quando puxo pelo crescimento por via do consumo, gero procura mas não tenho oferta interna, produção, para esse aumento de procura. Isto desequilibra a balança de pagamentos, cria endividamento externo, que foi o que trouxe a troika.
Também pode intervir nos rendimentos baixando o IRS. Baixaria o IRS?
Um objetivo claro será seguramente a baixa da carga fiscal.
Isso inclui reduzir o IRS à classe média?
Isso inclui reduzir os impostos com uma lógica, o que não sei dizer neste momento é em quanto. Não sei dizer em quanto porque não tenho o quadro macroeconómico.
Não se está a comprometer com nada em concreto...
Vamos ver o que dirá programa. Eu digo-lhe já que punha como primeira prioridade o IRC, e como segunda prioridade o IRS. Ou outro tipo de impostos, mas que melhoram o rendimento da pessoa. Eu posso melhorar o rendimento da pessoa porque lhe baixei o IRS ou posso melhorar o rendimento da pessoa porque lhe baixei o imposto que incide sobre os produtos que a pessoa compra. Mas, em primeiro lugar, acho que temos que fazer um esforço no IRC, porque são as empresas que vão investir, exportar, criar emprego e modernizar-se para pagar melhores salários, que é o que, no limite, eu quero. Baixar o IRS é bom no momento, mas o que é que produz? Mais aumento de consumo. Vamos fazer as coisas com cabeça, tronco e membros: em primeiro lugar o IRC, em segundo lugar o IRS.
As leis laborais precisam de ser mexidas? Passada que está a crise não seria altura de regressar aos 25 dias de férias que os portugueses já tiveram antes da bancarrota e da entrada da troika? Não foi este direito que provocou a bancarrota no país...
Não excluo que qualquer lei, qualquer legislação, possa ser melhorada ou ajustada. O que são as reformas estruturais? São setores que não se ajustaram a tempo. Criou-se um fosso e só vai "à força", através de uma reforma.
Mas repõe os 25 dias de férias?
Parece-me uma coisa pacífica. É coisa pequena, não é significativa. O que é significativo para o funcionamento da economia é a flexibilidade do mercado de trabalho. Quando pomos o mercado de trabalho muito rígido, parece que estamos a proteger os trabalhadores, mas não estamos. Não pode ser de tal maneira rígido que o empresário até tem medo de contratar, mas também não posso deixar o trabalhador completamente desprotegido. Se uma alteração da legislação laboral for no sentido de repor mais rigidez, isso é contra o investimento, contra o crescimento económico, contra os próprios trabalhadores.
Se vier a ser primeiro-ministro, vai manter o aumento de 10 euros para as pensões até 997 euros, como previa o Orçamento do Estado?
Esse aumento em concreto, não sei. Tenho que ver as condições económicas no momento. Mas posso dizer qual é a regra que preside à decisão. Se o Estado pega no rendimento que a pessoa tem e agride esse rendimento, lhe reduz o rendimento de uma forma direta, porque o reduziu, ou de uma forma indireta, porque não o aumentou e a inflação comeu o rendimento, obviamente está a colocar as pessoas numa fragilidade ainda maior...
Mas haveria aumentos ou não?
Eu vou cuidar de que os aumentos das reformas respeitem sempre a inflação. E nas pensões mais baixas, havendo possibilidade orçamental de melhorar um pouco a vida dessas pessoas, acho que é socialmente justo fazê-lo. E deve fazer-se. Mas não se pode fazer todos os anos, sem cuidar, em paralelo, de também garantir o poder de compra de todas as pensões.
Também é justo subir os salários da Função Pública em 0,9%, ou um pouco mais, para que os funcionários públicos recuperem algum do rendimento que perderem, desde o Governo PSD/CDS?
É, mas... O que é o mas? Nos salários mais baixos, a Função Pública paga melhor que o privado. Nos salários mais altos, a Função Pública paga pior que o privado. O que é que temos de fazer? Temos de quebrar este ciclo. Na Função Pública temos profissões que têm de ser mais bem pagas. Temos médicos, generais, juízes, professores, temos muitas funções qualificadas que têm de ser mais bem pagas... Os juízes não. Esses são altamente privilegiados, e este Governo ainda os privilegiou mais, relativamente aos outros.
Os juízes não precisam de ser aumentados?
Não, não. Não precisam, não. A não ser que, entretanto, haja folga para aumentar todos os outros. Não sei se sabem, um professor do Ensino Secundário que consiga chegar ao topo da carreira, ao máximo dos máximos, que quase ninguém chega, vai ganhar cerca de 3300 euros brutos por mês. Se tiver um filho que tirou Direito, que foi para o Centro de Estudos Judiciários, quando este entrar como juiz estagiário, com vinte e tal anos, vai ganhar mais do que o pai ou a mãe, que conseguiram chegar ao topo da carreira no Ensino Secundário. Isto é profundamente injusto.
Tem dito frequentemente que os serviços públicos estão num estado catastrófico. Mas o PSD também tem responsabilidades nisso.
Sim, com certeza. Mas nos últimos seis anos pioraram e muito. Podemos ir lá, mas deixe-me acabar o raciocínio anterior, que é importante. Para melhorar os salários da Função Pública, e é urgente melhorar os salários, principalmente os salários dos quadros, tenho de ter uma gestão de recursos humanos diferente. Se o número de funcionários públicos continuar a aumentar, nunca o Orçamento do Estado permitirá pagar salários decentes. Eu tenho de ter os recursos humanos da Função Pública racionalizados, para poder, do bolo que o Orçamento permite pagar, manter esse bolo para menos gente, logo, pagar mais às pessoas. Este é um exercício que o país vai ter que fazer. O PS aumentou brutalmente o número de funcionários públicos nestes seis anos, não é?
Defendeu há dias que se avance no processo da Regionalização. Com um modelo de seis regiões. Vai incluir essa proposta no programa eleitoral das legislativas?
Está a falar do único ponto do programa eleitoral de 2019 em que não vejo que haja muito a mexer.
O que estava assumido no programa de 2019 era o compromisso de discutir a reorganização territorial, sem usar a palavra Regionalização, quase como se fosse uma palavra maldita.
Mas é disso que estamos a falar, a descentralização com responsabilidade política local. É assim: quando houve o referendo para a Regionalização, eu votei contra. Não me escondi naquelas coisas: "eu queria estas regiões e aquelas, ou estas competências ou aquelas, não gosto deste modelo, voto contra". Não. Com aquele modelo ou outro qualquer, eu fui contra. Mas já passaram muitos anos e eu pergunto: o país está menos centralizado? Está menos concentrado? Ou seja, o facto de não termos feito a Regionalização melhorou país? Não. Piorou. Piorou e de que maneira! Então se piorou e de que maneira, temos de encontrar uma solução diferente. Não estou a dizer que sou necessariamente favorável à regionalização, estou com isto a dizer que gostava de poder ser favorável à Regionalização, votando uma lei em que me revisse. Desde logo, uma lei que me garantisse que, através da Regionalização, baixava a despesa pública e não a aumentava. Se nessa lei de Regionalização não houver normas travão, voltarei ao não claro como no passado. Mas eu não quero esse não, eu quero um sim. E, portanto, eu gostaria de ter uma lei que tivesse lá os travões necessários. E isso é fácil. Nas autarquias isso já existe. Se existe numa autarquia pequenina, pode existir numa autarquia grande que é a Região. A Região de que eu estou a falar não é um Governo Regional como há na Madeira ou nos Açores. Estou a falar numa Autarquia Regional, muito mais próximo daquilo que é uma Câmara Municipal do que de um Governo Regional.
Como estão as suas relações com o Presidente da República?
Eu não me deixo afetar por razões de ordem emocional ou pelo combate político. Com o presidente da República, com o primeiro-ministro, com o presidente da Assembleia da República, com os outros partidos, eu posso gostar muito da pessoa ou pouco da pessoa, não estou agora a falar nisso, isso não interessa para nada. Eu tenho obrigações de Estado. E isso não pode em circunstância alguma afetar. Portanto, a relação com o presidente da República está como sempre esteve. Como sempre esteve. E como sempre vai estar.