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António Costa defende que Bruxelas não pode prometer à Ucrânia a entrada na União Europeia sem avaliar se tem condições para recebê-la. O primeiro-ministro sublinhou, esta quarta-feira, que não é sério convidar novos Estados para a União antes de levar a cabo uma grande reforma institucional e orçamental.
"É como a nossa casa. Quando nós convidamos alguém para nossa casa, temos de ter condições para receber quem convidamos", comparou o chefe de Governo português, que discursava, esta tarde, no palco do Fórum La Toja - Vínculo Atlântico, na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa.
"A Europa não pode prescindir de fazer este debate", sublinhou António Costa desde logo porque "tem de levar muito a sério as expectativas que criou relativamente à Ucrânia e aos países Balcãs ocidentais".
"A maior tragédia para a Europa era a frustração destas expectativas", defendeu, sublinhando que não se pode deixar que se repita aquilo que aconteceu, no passado, com a Turquia.
"Ninguém deverá ter muitas dúvidas que uma das causas fundamentais da involução da Turquia foi a frustração de expectativas que foram alimentadas, ao longo de décadas, sobre uma futura integração na União Europeia. Não vamos, seguramente, querer repetir esta história. Seria uma enorme traição a tudo o que hoje dizemos aos ucranianos e à Ucrânia se não levarmos a sério as expectativas que criamos", alertou.
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E para levar a sério essas expectativas criadas, nota António Costa, é preciso uma "profunda reforma", por parte da União Europeia. Em primeiro lugar, a nível institucional, porque, de acordo com Costa, "é difícil ter já uma União Europeia com 27 comissários (...). Ninguém terá imaginação para criar 36 portefólios ou para termos uma Comissão Europeia a funcionar com 36 elementos".
"O Tratado de Lisboa já hoje diz que a Comissão Europeia não tem de ter 27 membros, mas eu gostava de saber quem é o primeiro país que se oferece para não estar sentado na Comissão Europeia", atirou.
O primeiro-ministro chama também a atenção para a dimensão orçamental das reformas que precisam de ser feitas, para acolher novos membros. Desde logo, no que toca à Política Agrícola Comum (PAC). "Só a entrada da Ucrânia implicará um aumento quase para o dobro dos recursos necessários", alerta, notando que o país é um dos "maiores produtores agrícolas" existentes, "maior que a França e a Alemanha juntos, em território".
A distribuição de fundos comunitários, avisou Costa, será, igualmente, afetada. Reparando que, nesta altura, o mais fundamental é garantir que a Ucrânia ganha a guerra, o chefe do Governo português repara que haverá, depois, "um esforço indiscutível que todos vamos ter que fazer, depois do esforço de guerra, depois do esforço humanitário, para apoiar a reconstrução da Ucrânia".
E, já sem contar com esse "esforço", ressalvou, "um mero efeito estatístico da entrada da Ucrânia, com um PIB que não sabemos qual é, mas que, se fosse o que era em 2019, significava uma alteração radical na paisagem daquilo que são as regiões de coesão". "Todo o Portugal passaria a ser, estatisticamente, "rico", sem que isso significasse crescimento no nosso PIB", exemplificou.
António Costa frisou que é legítimo que, além de expectativas de crescimento a nível democrático, a Ucrânia tenha também expectativas de crescimento a nível económico, com a adesão à União Europeia, e que é necessário que haja condições para não frustrar essas expectativas.
"Todos os processos de integração correram bem até agora - bom, menos com o Brexit, [os britânicos] entenderam que não corria bem - e o próximo também tem de correr bem. Mas, para isso, temos de estar preparados", concluiu.