O partido acabou, mas o sonho continua. Carmelinda Pereira, o rosto mais conhecido do POUS, é hoje a militante de sempre," mas era preciso mudar a pele", explica, justificando a extinção do partido de inspiração trotskista, fundado com Aires Rodrigues em 1979.
Da história não sobram votos que componham a mudança tão desejada pelo Partido Operário de Unidade Socialista, mas permanecem os ideais, e a militância. Carmelinda Pereira, a professora que nunca se imaginou deputada.
A professora Cami
Foi por acaso que tirou o curso do Magistério Primário, em Torres Novas. Carmelinda lembra que " era preciso tirar um curso rápido que lhe permitisse começar a trabalhar, e ajudar em casa, e na educação dos irmãos mais novos ". Ser professora foi um acaso, mas cedo tomou o gosto pelo ofício de ensinar, e quando foi eleita para a Assembleia Constituinte, um ano depois da revolução de Abril, em 1976, Carmelinda Pereira, confessa " que o que mais lhe custou foi deixar os alunos". Na altura já vivia em Algés, era a professora Cami, como lhe chamavam os mais pequenos. Certo dia, a Pide entrou pela sala de aula (a porta da sala dela nunca estava fechada), depois da denúncia de um pai, militar, que a acusava de ser subversiva e de não corrigir os textos que encontrou na pasta da filha, um deles sobre Angola e a guerra colonial. É uma das histórias que recorda como se tivesse sido ontem. O episódio acabou por não ter consequências, era estimada e considerada pelos pais.
Carmelinda, a professora Cami, ainda hoje se junta aos antigos alunos amiúde.:" eram os meus pedaços de mundo". Crê que para lá da leitura e da escrita, também lhes soube passar a vontade de saber pensar.
A deputada que venceu a timidez
" Eu era tímida, ainda hoje sou, mas chego-me à frente, se for preciso". Carmelinda Pereira recorda o dia em que entrou na Assembleia, pela primeira vez: " Nunca imaginei na minha vida que seria deputada". Em Abril de 1975, nas primeiras eleições depois do 25 de Abril, precisamente um ano depois, é uma das 20 mulheres eleitas para a Constituinte, é a mais jovem das 20 mulheres eleitas. a militante do PS, encontrou na força e na voz dos camaradas socialistas, que a escolheram para os representar, a forma de dobrar e de vencer a timidez. Guarda ainda nas redes da memória a primeira intervenção, entre a solidariedade com os pescadores de Matosinhos, então em greve, e a defesa da elegibilidade a partir dos 18 anos "foi uma luta difícil no partido, mas o contributo da JS haveria de ser decisivo", recorda Carmelinda, antes de reviver o episódio mais marcante da sua vida política. O voto contra o Orçamento do Estado, furando a disciplina de voto imposta por Mário Soares, à época Primeiro-Ministro. Não esquece as caras dos deputados à volta, quando Aires Rodrigues anunciou o sentido de voto: "A cara do Sá Carneiro, a voz do Carlos Brito que presidia aos trabalhos e suspendeu a sessão, a cambalhota que os 2 partidos, PCP e PSD foram forçados a dar para viabilizar o OE, foi um escândalo". Foi este voto que ditou a expulsão do Partido Socialista. Mais tarde, em 1979, funda com Aires Rodrigues, o POUS-Partido Operário de Unidade Socialista, extinto no final do ano passado, depois do decreto do Tribunal Constitucional, e depois dos próprios militantes terem definido a passagem a Associação Política.
A mulher que não desiste da revolução
"Continuo a pensar que é preciso construir uma verdadeira alternativa socialista e que é preciso retomar a luta do 25 de Abril", afirma Carmelinda Pereira, inconformada com os pobres cada vez mais pobres e apreensiva perante a linha política dos partidos do sistema. Um dia, acredita, "isto vai ter de mudar, claro que continuo a acreditar na revolução". É uma luta serena, a que nos chega das palavras da professora reformada, que não leva a política para as conversas em família. Fala-nos da mãe com 100 anos, toda a vida militante do PS, e do pai com 99, que sempre se confessou orgulhoso do percurso da filha mais velha. Há quatro irmãos, e as saudades do filho e dos netos que vivem na Noruega.
"Não , não sou uma mulher desiludida com a política", responde perante a contagem dos militantes ( algumas dezenas) que ainda abraçam os ideais do POUS - já não partido mas associação - onde deixou a pele ao longo de todos estes anos: "o POUS poderá ser outra coisa, mas não vai desaparecer e nunca nos preocupámos com scores eleitorais".
Carmelinda Pereira, como gostaria que as pessoas se lembrassem de si? A lutadora, a sonhadora...?
"Nós somos feitos de sonhos, de memórias e de sonhos".
A autora não segue as regras do Novo Acordo Ortográfico