O presidente do Comité das Regiões quer financiamento específico para cidades e regiões na cooperação com a Ucrânia, "um problema de todos". Vasco Cordeiro revela ainda na TSF que quer voltar a ser presidente do governo dos Açores.
Na abertura da Semana Europeia das Regiões, admitiu que, entre outras razões, a guerra na Ucrânia torna o tempo em que vivemos num tempo extraordinário. Que desafios este tempo extraordinário coloca às cidades e às regiões numa altura em que o senhor preside ao Comité Europeu?
Em primeiro lugar, naturalmente que coloca desafios que são comuns às regiões da Europa e às cidades. E isso tem a ver, obviamente, com os impactos que toda esta situação provoca do ponto de vista social e do ponto de vista económico. Naturalmente, isso é compreensível. Tem um impacto muito maior naquelas regiões e cidades que são mais próximas das zonas de conflito e que, no fundo, têm sentido ao longo deste período toda a tensão que a existência deste forte movimento de refugiados coloca nas suas estruturas de saúde, de apoio social, de habitação, até de emprego. E, portanto, há um impacto que ainda se sentirá à medida que o tempo avança, à medida que o inverno chega, e que julgo que será a tensão que toda esta situação colocará ao nível da solidariedade europeia nas suas mais diversas expressões, aos Estados membros e aos próprios cidadãos, em relação à forma como as suas entidades representativas estão a agir neste processo.
Precisamente essa questão das opiniões públicas. Eu recordo-me da crise dos refugiados de 2015. Havia um exemplo que se dava com frequência, que era uma cidade alemã que tinha acolhido bastantes refugiados. A maioria tinha vindo, no caso, da Síria, e esteve sem problemas numa cidade muito acolhedora, instalados no ginásio da escola local. Mas passado uns meses, quando viram que os filhos não podiam fazer prática desportiva na escola, as coisas começaram a mudar de figura...
Há dois aspetos que me parecem importantes salientar a propósito desses impactos que esta situação tem. É que a invasão da Ucrânia e aquilo que está a acontecer tem a ver com todos nós. Os ucranianos estão a pagar o preço mais alto.
Este é um desafio para toda a Europa...
É um desafio para toda a Europa, porque o que está em causa tem a ver com toda a Europa. Portanto, em primeiro lugar, é necessário combater a tentativa de minimizar a importância que esta situação tem para as sociedades europeias, desde os Açores até o outro extremo, e a forma como neste combate todos nós temos um contributo a dar, todos nós temos uma forma de ajudar e, em algumas situações, isso trará algum constrangimento em relação àquilo a que estávamos habituados numa situação em que não havia, desde logo, os impactos económicos que esta situação traz. Por exemplo, a questão do preço dos combustíveis e da energia. Esta é uma das formas que eu acho até que há espaço para ser reforçada, que saliente perante as opiniões públicas que este não é um problema em que a Europa apenas está a solidarizar-se com algo que acontece na Ucrânia. Não! Este é um problema que tem a ver com a Europa toda. Este é um problema que tem a ver com o nosso modo de vida e com aquilo que pode acontecer se não dissermos alto e bom som: isto para ali e para aqui. Conscientes, obviamente, de que os ucranianos estão a pagar o mais alto preço que é possível pagar, mas se não houver essa consciência, o grande receio é que mais países e mais regiões e mais cidades paguem igual preço.
Mas, apesar de tudo, há um preço considerável em termos de custos económicos, custos de impacto social. E o senhor disse que é importante que as cidades, as regiões, tenham ao seu dispor os instrumentos necessários, porque são elas que estão na linha da frente...
Eu colocaria antes disso outro aspeto, que é o trabalho que as regiões e as cidades já têm feito. Têm estado na linha da frente de prestar assistência e de solidarizar-se...
Não têm sido devidamente compensadas pelos Estados para esse trabalho que estão e que têm estado a fazer?
Em algumas situações, este é um problema que existe. Enfim, a União Europeia mobilizou recursos, mas tendo em conta algumas dinâmicas internas de alguns estados aqui e ali, nós vamos ouvindo queixas de regiões e cidades que têm falta de recursos para poderem acudir a essa situação.
É uma situação que também acontece em Portugal?
Não, eu penso que isso tem mais a ver com algumas dinâmicas políticas internas de alguns Estados até próximos da zona de conflito do que propriamente aquilo que é uma situação generalizada. Outro plano, digamos assim, do assunto, é aquilo que tem a ver com a reconstrução da Ucrânia e o papel que as regiões e as cidades podem desempenhar. O Comité das Regiões, em conjunto com outras entidades e associações de cooperação regional, criou uma coisa chamada Aliança das Regiões e das Cidades para a Reconstrução da Ucrânia, que tem fundamentalmente dois objetivos: um que é comum a várias outras entidades que é, no fundo, fomentar aquelas ligações ponto a ponto entre cidades, entre regiões, para a assistência e para a ajuda. E um outro plano que é o de chamar a atenção para a importância dos poderes locais e regionais, seja da União Europeia, seja da Ucrânia, com todos os desafios que isso traz de boa governação. Mas o papel que estas entidades subnacionais podem desempenhar na reconstrução do país, esse tem sido um dos aspetos em que temos insistido, porque me parece que há um conjunto de desafios que mais facilmente poderão ser ultrapassados e vencidos envolvendo, obviamente, as regiões e as cidades.
Portanto, é preciso um financiamento específico para essa aliança, para esse tipo de cooperação...
Eu acho que esse é um dos assuntos e é uma proposta concreta que deixo até no quadro da próxima Conferência de Berlim sobre a reconstrução da Ucrânia. Precisamente, existir uma linha que possa dirigir-se especificamente àquilo que as regiões e as cidades de ambos os lados podem fazer.
Está quantificado o valor necessário para essa linha de financiamento?
Não está quantificado. Nós temos uma quantificação num trabalho feito pelo Banco Mundial quanto ao valor global para assistência e reconstrução. Nesse quadro específico, não. Mas temos uma proposta concreta que a presidente da Comissão Europeia formulou no seu discurso sobre o Estado da União: a questão dos 100 milhões de euros para a reconstrução de escolas na Ucrânia que pode ser uma boa oportunidade, exatamente para testar essa intervenção que as regiões e as cidades podem ter.
Há uma resposta que tem sido uma resposta extraordinária porque a situação também é extraordinária. Na sessão inaugural da Semana Europeia das Regiões e Cidades, percebi das suas palavras que quer transformar o extraordinário num novo normal. É isso?
A questão do extraordinário e no novo normal tem a ver com a mobilização de recursos da política de coesão para acudir a situações de emergência, como é o caso da pandemia e conflitos, como é o caso agora da guerra na Ucrânia. A política de coesão tem a sua natureza...
É mais voltada para para situações de médio longo prazo do que propriamente para acudir a situações de emergência...
Obviamente que o que é necessário acautelar é que, com todas as reflexões que se possam fazer em relação ao futuro da política de coesão, que ela não seja entendida apenas como a política onde vamos buscar recursos para acudir a essas situações, esquecendo a sua perspetiva de longo prazo. Nós, o Comité das Regiões, estamos empenhados nessa reflexão sobre o que deverá ser a política de Coesão no pós-2027. Aliás, correspondendo também ao repto lançado pela comissária Elisa Ferreira no âmbito da apresentação do oitavo relatório sobre a Política de Coesão. Mas nós compreendemos. Obviamente, não é natural e esses recursos tinham que ser mobilizados para acudir a essas situações de emergência. Mas aquilo para que tenho alertado é exatamente que corremos o risco de transformar situações extraordinárias no novo normal, neste sentido de considerar que quando necessitarmos de acudir a qualquer outra coisa vamos buscar dinheiro à política de coesão, e isso é algo que me parece - abordado desta forma desestruturada - profundamente negativo.
Perigoso porque pode comprometer as políticas de coesão...
Exatamente. É perigoso e, portanto, é algo de que devemos estar conscientes. Não há ninguém que se recuse a debater, que se recuse, no fundo, a analisar e a refletir sobre que alterações, que lições devemos retirar de todas essas situações extraordinárias para planear e definir aquilo que deve ser a política de coesão no pós-2027. Mas há também riscos envolvidos que esta situação trouxe e que nós devemos estar despertos para eles.
O que é que gostaria de ter conseguido quando terminar o seu mandato como presidente do Comité das Regiões?
Bom, mas isso implica já fazer um juízo sobre aquilo que eu não consegui...
A pergunta tem implícito o que é que ainda quer fazer daqui para a frente...
Há três aspetos que me parecem fundamentais nestes dois anos e meio. Em primeiro lugar, uma resposta clara e inequívoca, convicta, que mobilize cidades e regiões na afirmação de que a melhor resposta para os desafios que nós temos, é estar numa Europa mais justa e numa Europa mais forte. Não propriamente no sentido de pôr a Europa a intervir, a União Europeia a intervir, não se trata disso, mas no sentido de ter uma maior ligação, estar mais fortalecida, digamos assim. Em segundo lugar, esta batalha da política de coesão é um processo que se iniciará dentro em breve para a reflexão da política no pós-2027. E julgo que o Comité das Regiões tem aí uma batalha no futuro próximo, pela importância que a política de coesão tem para as regiões e as cidades e pela tradução prática que ela traz para o desenvolvimento e o progresso de cada uma das regiões. E, em terceiro lugar, algo que tem a ver com o próprio Comité das Regiões e talvez o reforçar o caráter político do Comité das Regiões como uma verdadeira assembleia dos poderes locais e regionais da Europa e não como aquilo que é falsamente percecionado, ou erradamente percecionado, como, um órgão administrativo que reúne apenas burocratas. Não! É uma verdadeira assembleia política. Tem representantes políticos de cada uma das cidades e das regiões e tem um papel importante também.
Como é que isso faz, tornando os encontros políticos mais frequentes?
Começando, obviamente, pelo próprio trabalho do comité. Começa exatamente dentro de casa, mas tem, obviamente, também uma componente na forma como somos percecionados. E isso implica agir rápido, agir de forma clara, ter posições claras que sejam percetíveis e que traduzam no fundo também aquilo que é o sentimento das comunidades locais. Porque há comunidades locais e regionais. Porque, no fundo, se as regiões e as cidades são o nível de poder que está mais próximo das populações, temos também esta obrigação e temos condições ímpares para fornecer o veículo desse entendimento e levá-lo mais longe. Seriam estas as três áreas, digamos assim, que me parecem que estarão omnipresentes nestes dois anos e meio de mandato.
E depois, finalizados estes dois anos e meio de mandato no Comité das Regiões, admite voltar a candidatar se à presidência do Governo Regional dos Açores?
Antes disso, até. Nós temos eleições regionais nos Açores, se não me aconteceram antes, em 2024. E faço questão, obviamente, a minha intenção é ser novamente candidato.
Para terminar o trabalho que não conseguiu levar até ao fim quando foi presidente (venceu as eleições de 2020, mas uma 'geringonça' de cinco partidos à direita formou uma maioria na Assembleia Legislativa que permitiu governar)...
Enfim, o que aconteceu em 2020 foi o que aconteceu em 2020, mas acho que há ainda trabalho a fazer E acho que a perspetiva que norteia este projeto em que me integro - é a minha perspetiva -, tem ainda muito a dar à região, sobretudo nestes tempos desafiantes que vivemos.