Era um segredo bem guardado, até há menos de dois meses um dos seus familiares ter descoberto a correspondência nos arquivos da Universidade Hebraica de Jerusalém. A TSF dá a conhecer a história de Joaquim Bensaúde.
"É gratificante perceber que as boas notícias das conquistas judaicas na Palestina despertam o seu interesse e são contempladas pela vossa distinta família." As palavras, dirigidas ao historiador e engenheiro Joaquim Bensaúde, foram datilografadas a 25 de maio de 1927, numa máquina de escrever de uma casa em Berlim.
Foi há menos de dois meses que José Oulman Carp foi surpreendido com a autoria das cartas que tinham o seu tio-avô, Joaquim Bensaúde, como destinatário. "Trouxe-as de Jerusalém... Esta, esta e esta." Deposita-as em cima da mesa da sala, enquanto ainda se pasma: "Curioso, não é?"
José Oulman Carp vai com frequência a Israel, onde chegou a viver durante quatro anos, precisamente quando a guerra estalou e onde trabalhou como guia de turismo para uma agência de viagens. Mas o fascínio pelo território israelita começou antes de 1967. "Foi em 1959 que lá fui pela primeira vez, aos 15 anos, e Jerusalém ainda estava dividida. Foi uma experiência extraordinária", conta à TSF.
Em 2019, no entanto, Jerusalém continua a maravilhar pelos capítulos da História que se desvelam a cada visita, pelos segredos que a presença judaica ainda encerra. "Numa das visitas que fiz à universidade, fizemos uma visita aos arquivos de Einstein. Acabei por descobrir que o meu tio-avô manteve uma correspondência com Einstein", esclarece José Oulman Carp, ex-presidente da Comunidade Israelita de Lisboa.
O momento foi de expectativa e assombro. Em pleno arquivo da Sociedade Hebraica de Jerusalém, "o responsável do departamento voltou para trás e perguntou-me qual era o nome do meu tio-avô. Eu disse que se chamava Joaquim Bensaúde, e ele respondeu-me: 'Então, um momento'", relata.
Cinco mil libras para a fundação da Universidade Hebraica de Jerusalém
As fotocópias da correspondência entre os dois investigadores denunciam um esforço conjunto pela edificação de um sonho antigo: a primeira universidade dedicada a estudos judaicos em Jerusalém. "Einstein foi o fundador da Universidade Hebraica de Jerusalém em 1925 e foi o primeiro presidente daquela universidade", explica José Oulman Carp. Mas a construção dos primeiros pilares da instituição não seria possível sem a ajuda da família judaica portuguesa.
"É curioso; houve uma carta em que Einstein pediu a ajuda de Joaquim Bensaúde para conseguir apoios financeiros da nossa família para a universidade", assinala o sobrinho-neto do historiador e engenheiro português. A correspondência entre os dois, imiscuída numa cumplicidade de quem tem os mesmos propósitos e objetivos comuns, esteve quase debaixo dos olhos das gerações que sucederam a Joaquim Bensaúde, mas só agora o mistério foi revelado. "Tenho uma prima que vive em Jerusalém e que é professora de História lá, nessa universidade. Ela já me tinha falado de uma correspondência da família com a universidade. A minha prima fez uma pesquisa, mas não ficou com uma noção exata do que eram essas cartas."
Albert Einstein manifestava em 1927 - e nas cartas que se sucederam até lhes ser perdido o rasto, em 1933 - um reconhecimento pela contribuição da família Bensaúde para as obras de um edifício intelectual oferecido aos judeus de Israel e da Palestina. "Quero expressar a minha gratidão pelo seu valioso esforço na reconstrução judaica da Palestina, implorando que continue", redigia então.
Os registos apontam para que tenha sido criada uma fundação em nome de José Bensaúde, pai do historiador português e importante industrial açoriano de origem hebraica, para garantir bolsas de estudo "anuais dedicadas a estudantes com mérito", esclarecia à data Einstein. As disciplinas lecionadas seriam Estudos Judaicos, Estudos Orientais, Química, Microbiologia, Higiene, Matemática, Física e História Natural.
Para o efeito, o filho de Joaquim Bensaúde, Vasco Bensaúde e o primo, Alberto Oulman, pai do compositor dos fados de Amália Rodrigues, Alain Oulman, doaram cinco mil libras, "o que, na altura, era muito dinheiro", repara José Oulman Carp. "Foi Einstein a iniciar a correspondência e a escrever ao Joaquim Bensaúde, que obviamente fala com o filho e com o sobrinho para que eles apoiassem financeiramente a universidade nos seus inícios."
As primeiras sementes das laranjas e toranjas israelitas
Todavia, os contributos da família portuguesa não ficaram por aqui e podem ter sido as sementes de um negócio muito produtivo: "Quando eu li essas cartas, entendi que o filho do Joaquim, o Vasco Bensaúde, e o primo, o Alberto Oulman, escreveram à Universidade Hebraica de Jerusalém oferecendo um fundo para a pesquisa sobre citrinos. Este foi o primeiro departamento de agricultura da Universidade Hebraica, a sul de Telavive."
Apesar de as suas terras serem hostis, com apenas 20% de terrenos aráveis e muitas áreas desérticas, Israel é hoje um exportador de relevo de produtos cítricos. O que surpreende José Oulman Carp é que, até nesse aspeto, os seus familiares podem ter tido um papel fundamental. "Nessa época, em 1925, não se produzia citrinos em Israel e hoje sabemos que Israel é um dos grandes produtores de laranja e de toranja. É engraçado pensar que a minha família possa estar na origem da produção de citrinos em Israel", alega.
E no fim... não ganha a Alemanha
Formado em Engenharia Civil, Joaquim Bensaúde viria a destacar-se sobretudo pelo seu trabalho enquanto historiador. Nascido em 1859, o entusiasta pela História náutica portuguesa, teve 92 anos de vida para publicar os seus cerca de 300 livros, todos sobre as Descobertas. Também sobre esse tema Einstein nutria especial interesse, o que veio a intensificar a troca de impressões.
"O Joaquim Bensaúde desmontou uma tese, que era advogada pelos alemães nessa época, de que teria sido a Alemanha a iniciar os Descobrimentos. Com alguma facilidade, provou que isso era falso e que, de facto, tinham sido os portugueses os pioneiros. E Einstein interessou-se por essa questão", aponta José Oulman Carp sobre a teoria difundida por Alexander von Humbolt.
As cartas dos longos anos em que duraram as comunicações escrevem-se em inglês e em alemão, "porque todo o universo académico, na Europa, em Israel, em todo o mundo, falava e escrevia em alemão". As descobertas que fizeram através das palavras um do outro contribuíram ainda para um intercâmbio científico entre várias instituições do saber. "Einstein também pediu a intervenção do Joaquim para que lhe apresentasse colegas do meio académico português", garante o ex-presidente da Comunidade Israelita de Lisboa.
Guardados como um espólio familiar, os documentos receberam toda a atenção das gerações posteriores a Joaquim Bensaúde, que agora se deixam fascinar pelo segredo tão bem escondido. Abaixo das assinaturas e dos carimbos que oficializam a comunicação entre os dois, há registo de quem também se tenha interessado por esta matéria. "Alguém fez uma tradução mal feita [das cartas]", aponta com o dedo José Oulman Carp, enquanto se ri com indulgência.