Abusos sexuais a crianças: associação denuncia casos recentes

A Associação para a promoção da prevenção do abuso sexual detectou crianças vítimas de abusos, durante acções de sensibilização nas escolas e centros comunitários.

Dois bonecos fantoche, um livro ilustrado, um relógio, uma t-shirt com um grande coração azul, folhas de papel em branco para amarrotar com força, pequenos cartões com estórias, um dado gigante - a panóplia de cores e materiais vai saltando do saco grande que Margarida Ferraz traz para a sessão no Centro Comunitário da Apelação, no Bairro Quinta da Fonte, concelho de Loures.

A vice-presidente da Associação para a promoção da prevenção do abuso sexual (SFPPP) começa por dirigir-se a um grupo de cerca de 15 crianças, do primeiro ciclo, com idades entre os 8 e 10 anos.

"Gostaria que me dissessem aonde é que ninguém toca", pede Margarida. No rabo, na vagina, nas mamas, na pilinha, respondem os miúdos, enquanto Margarida identifica o "nome correcto" de algumas partes íntimas: pénis e vulva. "Aqui ninguém toca", é a grande lição das acções de sensibilização que a SFPPP tem levado às escolas e associações comunitárias, nos últimos quatro anos e meio.

"O objectivo é alertar as crianças para algo que nós, como adultos, muitas vezes não temos coragem para falar com eles", explica Margarida Ferraz, recorrendo a dados estatísticos: "uma em cada cinco crianças na Europa estão ou poderão vir a ser abusadas". Por isso, é importante "começar nos pequeninos, ensinar as crianças a protegerem-se".

Durante a sessão, aprendem a distinguir entre toques bons e toques maus, segredos bons e segredos maus. "Todos aqueles miminhos bons são dados à frente de toda a gente, os miminhos maus são dados às escondidas", sublinha Margarida, que não se cansa de repetir, "nas nossas partes íntimas, ninguém toca".

Nem os pais - "não podem tocar, não podem brincar, é o nosso corpinho".

Nem os avós, explicadores, treinadores, padres, padrinhos - "não podem tocar e muito menos para pedir segredo. Se alguém já tocou, se alguém está a tocar ou se vier a tocar, este segredo não podem guardar. Devem dizer a alguém da vossa confiança, para vos poder ajudar".

A mensagem tem levado à consciencialização dos mais novos, que muitas vezes "não conseguem distinguir o abuso sexual do toque de carinho". Depois das sessões, percebem que "uau, afinal está a acontecer comigo e acabam por relatar". Margarida Ferraz adianta que já foram detectados casos de abusos sexuais, na sequência das intervenções. "Já tivemos de denunciar à polícia e alguns (dos abusadores) até já foram presos. É muito grave, mas pelo menos é uma forma de salvarmos crianças", afirma.

Quanto ao número de casos, Margarida refere que "não tenho ido a nenhuma escola onde não haja pelo menos um caso de crianças que relatem que ou foram abusadas ou que estão a ser abusadas e a maior parte são pais, padrastos, avós, tios, alguém da comunidade da criança". As denúncias vêm, em particular, das crianças do primeiro ciclo do ensino básico, porque "infelizmente, o maior número de abusos acontece entre os 7 e 13 anos".

Para a assistente social Ana Rita Cunha, ensinar os mais pequenos a protegerem-se dos abusos sexuais faz ainda mais sentido em ambientes de risco, como no bairro Quinta da Fonte. "Tendo em conta as dinâmicas do bairro, de casas com agregados familiares com muitas pessoas, às vezes que vêm dos PALOP e de outros países e que as crianças nem conhecem e vivem na própria casa, o que aumenta o risco. Também sentimos que as crianças, muitas vezes, estão muito tempo sozinhas na rua, também é uma questão de perigo".

Em cerca de quatro anos e meio, a intervenção da SFPPP chegou a 23 mil crianças, com destaque para os mais pequenos.

Margarida Ferraz resume a sessão em quatro regras:

- Se alguém tocar, podem dizer não.

- Podem gritar: pára, sai.

- Podem sair, fugir de um adulto.

- Devem contar o que se passou a alguém da vossa rede de protecção.

No final, a lição está aprendida.

Taisa, 10 anos, repete que "ninguém pode tocar no nosso corpo. Não podemos deixar e se tocar, temos de ir a correr contar".

Christian aprendeu que "podemos tocar nos amigos, mas não nas partes íntimas", enquanto Lázaro, 11 anos, recorda que se for um segredo mau, deve contar-se a um adulto e "não posso tocar nas pessoas sem perguntar".

Porque como se lê na t-shirt de Margarida, "a criança brinca, mas não é brinquedo". Logo, "aqui ninguém toca".

A autora não segue as regras do novo acordo ortográfico

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