Amnistia assinala violações dos direitos dos migrantes e à habitação em Portugal

O relatório da Amnistia Internacional recorda as reportagens jornalísticas que "expuseram condições de trabalho abusivas e habitações inadequadas" de empregados no setor agrícola na região de Odemira, principalmente de países do sul da Ásia.

As "milhares de pessoas" que vivem em habitações sem condições e a exploração de trabalhadores migrantes do setor agrícola são problemas destacados em relação a Portugal no relatório da Amnistia Internacional (AI) 2022/23 divulgado esta terça-feira.

A organização de defesa dos direitos humanos refere ser igualmente preocupante a "brutalidade policial" no país, problema que tem vindo a assinalar há vários anos, assim como o facto de continuarem a ser "inadequadas as salvaguardas contra a violência baseada no género".

Pedro Neto, porta-voz da Amnistia Internacional em Portugal, diz que, apesar de este relatório ser referente a 2022, os problemas mantém-se.

"São as famílias mais pobres que também sofrem outro tipo de abusos de direitos humanos. E muitas vezes são também os migrantes e os trabalhadores que sofrem problemas de habitação, mas não quer dizer que eles sejam exclusivos, afeta sempre as famílias e as pessoas mais pobres. Este texto refere-se a 2022, mas infelizmente continua atual. Nesta altura, já saíram medidas para responder a este problema da habitação, no entanto, ainda é difícil perceber de que forma é que as políticas públicas vão ser formuladas e de que forma é que vão ser implementadas para que este problema seja resolvido", considera Pedro Neto, em declarações à TSF.

Relativamente a Portugal, o relatório da Amnistia Internacional refere ser igualmente preocupante a brutalidade policial. Pedro Neto explica que "tem sido recorrente as falhas do investimento e do esforço na reinserção social e na recuperação destas pessoas que estão reclusas para que, uma vez em liberdade, não voltem a cometer qualquer crime".

O porta-voz da Amnistia Internacional em Portugal dá o exemplo das medidas Covid, que foram levantadas e suspensas para a população em geral, "mas que nas prisões continuaram por muito mais tempo".

O relatório "O Estado dos Direitos Humanos no Mundo" sublinha a existência de dois pesos e duas medidas em todo o mundo em matéria de direitos humanos. Pedro Neto afirma que a guerra na Ucrânia veio mostrar que a comunidade internacional precisa de fazer mais.

"Ao longo do ano de 2022, a Europa e os EUA foram rápidos tanto a condenar as autoridades russas como a disponibilizarem-se para ajudar, apoiar e acolher refugiados ucranianos. Isso deu-nos esperança de que a ordem mundial face aos direitos humanos pudesse estar a mudar e os líderes políticos a olharem para os direitos humanos como um assunto prioritário. O que problema é que verificámos que há uma dualidade de critérios e noutras situações semelhantes isso não aconteceu. Vimos alguma hipocrisia, por exemplo, na Arábia Saudita, nas violações de direitos humanos que ocorrem, e na questão de Israel em que há uma cobertura ao Estado do Apartheid", acrescenta.

O Relatório 2022/23 da Amnistia Internacional: O Estado dos Direitos Humanos no Mundo assinala ainda que Portugal falha também no combate à crise climática e à degradação ambiental.

"O governo (português) tomou medidas insuficientes para melhorar as condições habitacionais e garantir habitação acessível suficiente, apesar dos dados divulgados no final de 2021 mostrarem que mais de 38.000 pessoas precisavam de casa", indica o relatório, referindo também "relatos de despejos forçados" que deixaram algumas pessoas sem-teto, uma situação que, segundo a AI, "afetou desproporcionalmente ciganos e afrodescendentes".

Em relação aos direitos dos refugiados e migrantes, o trabalho recorda as reportagens jornalísticas que "expuseram condições de trabalho abusivas e habitações inadequadas" de empregados no setor agrícola na região de Odemira, principalmente de países do sul da Ásia.

"Em junho, o Grupo de Peritos sobre o Tráfico de Seres Humanos (do Conselho da Europa), que visitou o país em 2021, notou que o tipo de exploração mais comum continuava a ser a laboral, afetando especialmente os setores agrícola e de restauração".

A organização com sede em Londres indica, por outro lado, que em julho de 2022 e após a revisão periódica de Portugal, o Comité da ONU para a Eliminação da Discriminação contra a Mulher considerou insuficientes quer a legislação, quer os serviços para lidar com a violência de género contra as mulheres, expressando preocupação "com as taxas de abandono escolar entre as raparigas ciganas devido a casamentos infantis e/ou forçados e gravidez precoce", questões que, observou, "eram muitas vezes ignoradas pelas autoridades".

Sobre as alterações climáticas, a AI assinala que "mais de 1000 pessoas morreram de causas relacionadas com ondas de calor extremas" em Portugal no ano passado, bem como o facto de 60,4% do país ter registado seca severa e 39,6% seca extrema.

Segundo a ONG, o relator especial da ONU para os Direitos Humanos e o Meio Ambiente declarou em setembro, após uma visita a Portugal, que "as autoridades precisavam de acelerar o ritmo de ação para enfrentar, em particular, a poluição do ar e a gestão de resíduos e prevenir incêndios florestais".

O relatório da AI sobre o ano passado realça "a existência de dois pesos e duas medidas em todo o mundo em matéria de direitos humanos e a incapacidade da comunidade internacional se unir de forma consistente na proteção dos direitos humanos e dos valores universais".

"A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi criada há 75 anos, a partir das cinzas da Segunda Guerra Mundial. A sua essência é o reconhecimento universal de que todas as pessoas têm direitos e liberdades fundamentais. Mesmo que a dinâmica do poder global esteja um verdadeiro caos, os direitos humanos não podem ser perdidos na desordem. Por outro lado, são os direitos humanos que devem guiar o mundo à medida que se multiplicam os contextos cada vez mais instáveis e perigosos. Não podemos esperar que o mundo volte a arder", diz Agnès Callamard, secretária-geral da Amnistia Internacional, citada num comunicado de divulgação do relatório.

* Notícia atualizada às 09h39

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