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O problema dos plásticos nos oceanos vai além-fronteiras e está diretamente ligado às alterações climáticas. Na Conferência dos Oceanos, que arrancou esta segunda-feira, em Lisboa, a poluição marinha foi um dos temas em destaque.
Poluição marinha: foi este um dos destaques do primeiro dia da Conferência dos Oceanos, na Altice Arena, em Lisboa. Depois de três horas de reflexão, o painel de oradores parece concordar num ponto fundamental: esta é uma questão que não conhece fronteiras e que tem várias origens, como os transportes marítimos ou o turismo. Acelerar a ação e investir na ciência e na educação são, por isso, passos essenciais para se atingir o 14.º objetivo do desenvolvimento sustentável que, segundo a ONU, pretende "prevenir e reduzir significativamente a poluição marítima de todos os tipos, especialmente a que advém de atividades terrestres, incluindo detritos marinhos e a poluição por nutrientes".
Relembrando as palavras de António Guterres na cerimónia de abertura da Conferência dos Oceanos, Kitack Lim, secretário-geral da Organização Marítima Internacional, e Susan Gardener, diretora do departamento de ecossistemas do Programa da ONU para o Ambiente, afirmam que o oceano "conecta-nos e sustenta-nos a todos". Susan Gardener alerta que se "o oceano está em apuros, todos estamos em apuros", reforçando a necessidade de agir para os proteger. No mesmo plano, Janis Searles Jones, CEO da organização Ocean Conservacy, defende que a "vida debaixo de água é essencial para proteger e conservar a vida na superfície. Uma não existe sem a outra".
O que é a poluição marinha?
Flavien Joubert, ministro das Seychelles, considera que este é "um problema mundial", uma consequência "inegável" do crescimento económico e que "exige uma abordagem mundial".
Os plásticos não são apenas um problema para os oceanos, mas também para as alterações climáticas. "Não podemos falar de plástico sem falar das alterações climáticas. Ao combater os plásticos e, particularmente, a produção de plástico, ajudamos o clima e ajudamos o oceano. Os plásticos no oceano são um derramamento de óleo em câmara lenta e persistente. Todos sabemos que os plásticos são, em grande parte, feitos e alimentados por combustíveis fósseis e podem nunca se decompor, fragmentando-se apenas em micro e nano plásticos. A produção de plástico no oceano e as emissões de carbono que advém da sua produção são duas formas de poluição marinha e ambas requerem atenção urgente. O plástico que se vê na praia, nas ondas do mar e no oceano faz parte de uma enorme indústria petroquímica construída sobre a indústria de combustíveis fósseis, que é a indústria que está a impulsionar as mudanças climáticas", explica Janis Searles Jones.
A poluição marinha advém de várias fontes. É, por isso, um "problema tão complexo" que pode "impedir-nos de agir", defende Alexander Turra, biólogo e investigador brasileiro. "A poluição marinha é um problema claro para a biodiversidade, para a pesca, para as atividades humanas, mas é também um sintoma de vários aspetos que não estão muito bem na nossa sociedade. Se entendermos isso, podemos tentar gerir este problema de uma maneira diferente", acrescenta.
Charles Goddard, moderador desta conversa na Conferência dos Oceanos e diretor editorial do grupo The Economist, refere que a poluição marinha tem várias origens, nomeadamente águas residuais, produtos químicos tóxicos, pesticidas e fertilizantes utilizados na agricultura. "Tudo isso flui por todo o oceano, onde encontramos produtos químicos, assim como plásticos."
Como proteger os oceanos?
A chave para salvar os oceanos está na ciência, educação e ação. Quem o diz é Alexander Turra: "Ação significa política, governança, muitas coisas. Desta forma, ciência significa várias coisas diferentes, monitorização e suporte para as ações. A ciência deve ser entendida de forma ampla." Seguindo a mesma linha de raciocínio, Carlos Manuel Rodriguez, presidente da Global Environment Facility, fala da necessidade de "ações e políticas governamentais".
"Acelerar a ação" é o mais importante. Andrea Meza Murillo, secretária executiva adjunta da Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação, afirma que falta "entender que é preciso uma abordagem de todo o governo e de toda a sociedade. Precisamos de cada empresa, cada sociedade, cada pessoa a agir ao mesmo tempo para o mesmo objetivo. Isso é a mudança sistémica. E é entender todos os benefícios económicos que isso pode gerar para todos nós e para todos os nossos países".
Já Janis Searles Jones pede "ambição global, ação, coordenação e diálogo" para se acabar, principalmente, com a produção de plástico de uso único. "Estamos todos no mesmo barco, mas temos diferentes remos e precisamos de todos para implementar esta mudança", diz Susan Gardener, que sublinha a importância de "não só acabar com esta ameaça ambiental, mas também criar uma nova oportunidade económica e aliviar a pobreza". A pobreza, algo que também contribui para a poluição marinha: "O oceano está doente, porque a sociedade está doente", afirma Alexander Turra. Dando o exemplo do Brasil, o especialista avança que a poluição marinha será "uma evidência" do "malogro" de todos "enquanto humanidade" se não for combatida em várias frentes, se não se pensar também na pobreza, na desigualdade de distribuição de rendimentos, visto que muito do lixo marinho tem como origem "populações que vivem em habitações que não são dignas, não têm saneamento básico".
Susan Gardener apresenta algumas recomendações: "O instrumento tem que ser claramente definido, ambicioso e inclusivo. O acordo precisa de cobrir os plásticos com ciclo de vida completo, considerando diferentes tipos de produtos, priorizando o consumo e a produção sustentáveis, incluindo a absorção de matérias-primas secundárias e alternativas, implementando modelos inovadores de reutilização. Combater os produtos químicos e plásticos para evitar riscos para a saúde e permitir a reutilização e reciclagem não tóxicas. Eliminar os resíduos ao longo da cadeia de valor para garantir que o que resta é recolhido e gerido adequadamente. E, para isso, precisamos de ter certeza de que os atores da indústria de plásticos estão todos juntos na direção certa."
De acordo com Flavien Joubert, "em causa está a sobrevivência da humanidade". Para reverter esta situação e apostar no combate à poluição marinha é essencial "transformar esta década numa década útil".