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A grande maioria das equipas de cuidados paliativos do Serviço Nacional de Saúde não cumpre sequer os requisitos mínimos definidos pelo próprio Estado. O alerta é do Observatório Português dos Cuidados Paliativos no seu relatório anual que revela mesmo um retrocesso na implementação da estratégia nacional para aliviar ou evitar o sofrimento de quem tem uma doença incurável.
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O documento lido pela TSF fala em sinais "preocupantes" concluindo que embora exista evolução no número de recursos "continua-se com uma cobertura, estrutural e profissional, nacional e na generalidade dos distritos, muito abaixo do minimamente aceitável a que acrescem profundas assimetrias a nível distrital".
Perante aquilo que são as necessidades dos doentes portugueses, faltam, segundo o relatório, cerca de 430 médicos, 2141 enfermeiros, 178 psicólogos e 173 assistentes sociais dedicados a cuidados paliativos.
O coordenador do relatório, Manuel Luís Capelas, admite que o plano nacional para esta área "está a falhar", recordando que estamos perante pessoas em "intenso sofrimento".
Ouça as explicações de Manuel Luís Capelas ao jornalista Nuno Guedes
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Além da estagnação em diversos indicadores, o tempo que médicos e enfermeiros dedicam a estes cuidados "regrediu substancialmente, não acompanhando o número de estruturas e serviços".
Equipas não cumprem requisitos
Uma falha evidente, diz, é que as equipas até podem só receber este tipo de doentes, mas em dois terços o nível de prestação é generalista pois não há um único médico com dedicação a 100% à área.
"A grande maioria das equipas não cumpre sequer os requisitos definidos pelo próprio Estado. Se já é preocupante não responder às diretrizes internacionais, é ainda mais preocupante não cumprir as diretivas nacionais que estão abaixo das internacionais", explica o especialista em cuidados paliativos.
O número muito reduzido de pessoal e o pouco tempo dedicado aos cuidados paliativos continuam a impedir uma resposta a todas as necessidades no país.
Cenário cinzento, quase negro
O presidente da Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos admite, em declarações à TSF, que fica preocupado com os dados presentes no relatório.
Duarte Soares detalha que ao fim de três anos da estratégia do Ministério da Saúde para esta área os resultados são muito curtos: "Das 90 mil pessoas que se estima que precisem de nós, não chegamos sequer a 25 mil".
"É preocupante haver distritos inteiros sem cobertura comunitária, por exemplo em Aveiro, Braga, Vila Real, Leiria ou Coimbra", bem como muito poucos serviços com médicos a tempo inteiro.
Duarte Soares adianta um dado que o surpreendeu
No entanto, "há um dado que é mais surpreendente" neste relatório: "Existe uma aparente degradação assistencial entre 2017 e 2018 com uma diminuição significativa do tempo dedicado aos cuidados paliativos, sobretudo médicos, enfermeiros e fisioterapeutas, pelo que estamos perante uma inversão de marcha e já não perante uma evolução positiva que vinha a ser lenta nos últimos anos".
Duarte Soares diz que a cobertura nacional não chega a um terço das necessidades
"Os cuidados paliativos não têm sido uma prioridade", conclui Duarte Soares, sublinhando que é uma área que afeta os doentes e os cuidadores informais, dizendo que "o relatório traça um cenário bastante cinzento, para não dizer que é mesmo negro", numa altura em que o envelhecimento da população portuguesa exige uma ainda maior necessidade de cuidados paliativos.
O Observatório Português dos Cuidados Paliativos, autor deste relatório, tem sede na Universidade Católica, mas reúne especialistas de várias instituições do ensino superior.