Dos insultos à precariedade. As memórias de uma ex-operadora de call center

Há dois anos que se aguarda por um estudo aprofundado sobre o setor dos centros de contacto. Sem conclusões à vista, deputada bloquista Isabel Pires recorda os tempos em que trabalhava num call center e insta o governo a concluir o mapeamento rapidamente.

Há histórias que ficam e não necessariamente por serem positivas. "Lembro-me de um senhor que me insultou de toda a maneira porque, como [a empresa] tinha sido comprada por Isabel dos Santos, a quantidade de chorrilhos racistas que ouvi nessa chamada foi uma coisa absolutamente impensável", recorda Isabel Pires, ex-operadora de call center e hoje deputada à Assembleia da República pelo Bloco de Esquerda.

A história é representativa de apenas mais um dia na vida de um operador de call center, mas diz bastante sobre o stress a que são sujeitos estes trabalhadores de um setor vincadamente precário. E não só a parte contratual propriamente dita e de direitos laborais.

Mas começando por aí, Isabel Pires nota que a ligação contratual "é sempre através de empresas de trabalho temporário e outsourcing" e que, "às vezes, mais do que uma está entre o nosso trabalho e a empresa para a qual prestamos efetivamente serviço". A tradução? "Do ponto de vista salarial, salários muito baixos".

Mas a questão vai mais além com materiais e infraestruturas muitas vezes fracos, com problemas com o ar condicionado ou mesmo as cadeiras e secretárias pouco ergonómicas. Ou até a partilha de materiais como os "headsets". "Hoje em dia que estamos em pandemia seria altamente impensável, mas sempre foi muito recorrente", recorda a eleita.

Além dessas questões o facto de serem considerados como máquinas com ritmos de trabalho elevadíssimos. "Não há praticamente pausas entre chamadas", nota.

Este é um retrato vivido na primeira pessoa de uma eleita que defendeu na legislatura passada que a profissão fosse classificada de desgaste rápido, mas o projeto foi chumbado. Em sentido inverso, foi aprovada a iniciativa do PS a pedir um estudo sobre o setor. "Quem, como, onde?" são perguntas que ainda estão por responder.

"Está a ser, aparentemente, uma das condições para o próprio PS e governo avançarem com alguma matéria. Sabendo nós qual é a situação, então, que se faça o estudo o mais rapidamente possível, que se faça o mapeamento, perceber exatamente quais são as consequências na saúde mental, mas também física, e perceber de que forma é preciso ter legislação e regulamentação", vinca Isabel Pires.

O projeto de resolução a recomendar ao Governo a elaboração de um estudo sobre as condições de trabalho em centros de contacto foi publicado em Diário da República em setembro de 2019, foi discutido há precisamente dois anos. Desde então, nenhuma conclusão foi conhecida.

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