- Comentar
A Comissão Nacional de Proteção de Dados alertou que a nova lei das comunicações coloca em risco as vítimas de violência doméstica. A proposta do Governo, que está no Parlamento, pode expor as vítimas ao agressor e a entidade considera que é um retrocesso em relação à lei que está agora em vigor.
Relacionados
Sem amor e com maus-tratos. Espaço Lara apoia crianças e jovens vítimas de violência doméstica
APAV lamenta medidas "avulsas e pontuais" de apoio a vítimas de violência doméstica
"Risco de vida." Vítimas de violência doméstica sem resposta da Justiça a tempo
Segundo a Comissão, o texto da proposta não impede a divulgação, na fatura detalhada, de chamadas feitas para linhas de apoio, ao contrário do que acontece com a lei atual. Se o diploma for aprovado, haverá também tratamento de dados pessoais desnecessários, acrescentou a Comissão Nacional de Proteção de Dados num parecer enviado aos deputados a que o Jornal de Notícias teve acesso.
No texto proposto, e que já foi a debate em plenário, lê-se que não é exigível a identificação das chamadas grátis, incluindo para serviços de assistência. Não ser exigível não é o mesmo que ser proibido ou que não deva constar, sublinha o parecer.
As vítimas de violência doméstica, por exemplo, podem assim ficar expostas ao agressor se este descobrir o pedido de ajuda. No ano passado, quase 62% dos pedidos de ajuda chegaram à Associação Portuguesa de Apoio à Vítima por telefone. Ao todo foram 9500 chamadas.
O Governo admite rever o texto. A garantia foi deixada esta semana pelo secretário de Estado das Infraestruturas. Ouvido no Parlamento, Hugo Santos Mendes pediu, no entanto, rapidez na aprovação do diploma, até porque a diretiva europeia para o código das comunicações eletrónicas já devia ter sido transposta.
Subscrever newsletter
Subscreva a nossa newsletter e tenha as notícias no seu e-mail todos os dias
Em resposta, a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima acusa o Governo de insensibilidade. João Lázaro, presidente da APAV, mostrou-se preocupado com esta possível alteração à lei.
"É claramente grave e pode representar um grande retrocesso. Cada vez mais quem é vítima de crime, independentemente de ser violência doméstica, homicídio ou outro tipo de crime, recorre a um primeiro contacto aos serviços de apoio através do telefone. E recorrem cada vez mais ao que chamamos de soluções mistas através das redes sociais, contacto do apoio à distância e presencial. O apoio faz-se desta combinação de canais, por isso é claramente atentatório dos próprios direitos das vítimas de crime", explicou à TSF João Lázaro.
O responsável acusa ainda o legislador de insensibilidade neste caso.
"Queremos acreditar que deve ter sido por lapso que as entidades que têm grupos de apoio não foram ouvidas, independentemente das chamadas consultas públicas, que muitas vezes servem é de janelas obrigatórias num processo formal para o legislador poder dizer que a consulta e a burocracia formal funcionou. Se isso se revelar assim é claramente de uma grande desatenção relativamente ao legislador, às necessidades que a sociedade tem. Certamente isto estaria resolvido se tivessem reunido com as organizações das linhas de apoio ou representativas das linhas de apoio", acrescentou o presidente da APAV.
Ouça as declarações de João Lázaro à TSF
A TSF já tentou ouvir a Comissão Nacional de Proteção de Dados, mas a assessora recusou dar explicações por ser sábado.
BE diz que alteração "é muito preocupante." PAN pede para que não se legisle "à pressa"
O Bloco de Esquerda vai avançar com uma proposta de alteração à nova lei das comunicações eletrónicas. A deputada Mariana Mortágua só vê um caminho.
"É óbvio que isto é muito preocupante e é razão para que as principais associações que lidam com este problema e prestam apoio às vítimas tenham dado o alerta. Vou-lhe confessar que não me passa pela cabeça que esta proposta não saia corrigida da Assembleia da República, nem quero pôr a possibilidade de o Partido Socialista ou qualquer outro partido votar contra uma medida da mais elementar segurança para as vítimas de violência doméstica. Apresentaremos a proposta, acreditamos que será aceite e que não teremos sequer de pensar nas consequências que teria uma medida deste género", revelou à TSF Mariana Mortágua.
Ouça as declarações da deputada do BE à TSF
Já o PAN diz que não se pode legislar à pressa, sob pena de acontecerem erros que levam a retrocessos como este e adianta que, na especialidade, vai apresentar uma proposta que garante os direitos das vítimas de violência doméstica.
Notícia atualizada às 16h01