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"Porque vieram a este local pleno de desgraça?"
É com esta pergunta que os visitantes da Casa da Inquisição, em Castelo de Vide, são recebidos por Guiomar Mendes. A mulher cristã nova, judaica, viúva do juiz da Alfândega, Manuel Vaz Leitão, é a personagem que guia a viagem pela história no novo espaço museológico da vila, onde a comunidade judaica sempre teve uma forte presença.
A antiga Casa do Morgado, um palacete da burguesia construído há três séculos, foi reabilitado e acolhe a partir desta quinta-feira, a Casa da Inquisição, que mais do que um museu, propõe uma experiência que nos leva aos dias negros em que o Santo Ofício vigiava os usos e costumes em Portugal.
O presidente da Câmara de Castelo de Vide, António Pita, que é também presidente da Rede de Judiarias de Portugal, lembra que só em Castelo de Vide, houve mais de duzentas vítimas. Na vila, viviam também familiares do Santo Ofício, que funcionavam como a "PIDE da altura", com espionagem e denúncia de crimes que iam além do judaísmo. Por exemplo, incluíam casos de bigamia e sodomia, num verdadeiro "tribunal dos usos e costumes" da época.
Conheça a Casa da Inquisição de Castelo de Vide
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Desde o interrogatório ao cárcere, a tortura, a sentença e o auto de fé, os visitantes percorrem as várias etapas de um processo instaurado pelo Santo Ofício, com figuras em tamanho real e com rostos de figuras bem conhecidas de Castelo de Vide. O historiador Jorge Martins, especialista em estudos judaicos e inquisitoriais, assume que a experiência pretende impressionar os visitantes. Ao longo da visita, ouvem-se gritos, orações, correntes a serem arrastadas e os nomes de 210 castelo-videnses que sofreram às mãos da Inquisição. Entre os instrumentos de tortura, encontramos o potro, uma espécie de "cama de tábuas onde a vítima era apertada com torniquetes", e o polé, onde as pessoas eram puxadas até ao tecto, por uma roldana, para serem atiradas ao chão. Jorge Martins justifica o hiper-realismo, esperando que as pessoas "fiquem impressionadas", porque "era terrível e as pessoas sofriam muito".
Cerca de 40 mil pessoas foram vítimas da Inquisição, em Portugal, durante cerca de três séculos. É o "lado negro da nossa História", realça Jorge Martins, defendendo que "não podemos esconder uma situação que teve um impacto decisivo no país" e que "ainda hoje estamos a pagar". Para o historiador, "somos bipolares e essa característica portuguesa advém do facto de não termos podido ser aquilo que queríamos ser".
A Casa da Inquisição pretende ser, acima de tudo, "uma lição de história", e prestar homenagem às vítimas da Igreja.
"Encham-se de coragem e venham ver o meu destino", convida Guiomar Mendes.
A Casa da Inquisição de Castelo de Vide é inaugurada esta quinta-feira, numa cerimónia onde vai estar o secretário de estado do turismo e o embaixador de Israel em Portugal.