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A Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) recebeu duas queixas, tal como o grupo parlamentar do Bloco de Esquerda que foi contactado por "diversos" contribuintes incomodados por terem sido encaminhados pela Autoridade Tributária (AT) para um concurso gerido por uma empresa e onde também participam os clientes de cerca de vinte empresas.
Fonte da CNPD adianta à TSF que as duas queixas chegaram esta semana e serão analisadas pela entidade que no Estado está encarregue de fiscalizar a proteção de dados.
Em causa o concurso "Mudar é Ganhar" organizado pelo Movimento pela Utilização Digital Ativa (MUDA), um projeto "gerido e implementado" pela A2D Consulting (uma empresa especializada em consultadoria para a transformação digital), promovido em parceria com várias empresas, universidades, associações e pelo Estado Português, como explica a A2D no seu site.
AT paga 15 mil euros
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Para a "aquisição de serviços de adesão ao MUDA" no âmbito do qual se está a realizar o concurso, a AT paga 15 mil euros à A2D. O contrato foi assinado em setembro por ajuste direto alegando-se falta de recursos próprios no Estado.
A AT tem anunciado o concurso, tal como a Agência para a Modernização Administrativa (AMA), outra entidade pública, o que levanta fortes críticas do Bloco de Esquerda que já enviou questões por escrito ao Governo exigindo esclarecimentos.
BE não queria acreditar
O deputado José Manuel Pureza diz que nem queria acreditar que a situação fosse real quando recebeu o primeiro e-mail de um contribuinte chocado pelo fisco o incentivar a participar, com um código, num concurso promovido por uma empresa ao lado de empresas dos setores bancário, segurador, comunicações, energia, saúde privada, etc. Veja aqui o regulamento e as empresas envolvidas
José Manuel Pureza diz que ficou estupefacto: não faz qualquer sentido as entidades públicas divulgarem e promoverem um concurso privado.
"A utilização do meu contacto por uma entidade pública para publicitar um concurso gerido por uma empresa privada já é inaceitável, fazendo uma utilização abusiva do e-mail que partilhei com o fisco para outras finalidades", afirma o deputado.
O BE exige o fim destas mensagens enviadas pelo Estado a promover o concurso, pede que se apurem responsabilidades, temendo que fiquem em causa os dados pessoais e uma "grave" violação da lei de proteção dos dados pessoais, "minando a confiança nas instituições públicas".
José Manuel Pureza conta o que pensou quando recebeu a primeira queixa.
Governo quer apenas promover serviços públicos pela net
À TSF, o Ministério das Finanças, que tutela a AT, justifica que o fisco "associou-se ao MUDA - Movimento pela Utilização Digital Ativa para promover a participação dos portugueses no espaço digital e ajudar a tirar partido dos benefícios dos serviços digitais".
A AT tem mesmo uma página para esclarecer os contribuintes com dúvidas: aqui
E m pouco mais de 3 meses serão dados mais de 5 mil prémios de pequeno ou médio valor, sendo o prémio final um carro que custa mais de 30 mil euros.
Mais de meio milhão de participantes
Fonte oficial do MUDA adianta à TSF que o concurso está regulado pelo Estado e quer premiar os "portugueses que se tornem mais digitais seja na utilização de serviços públicos e privados".
A mesma fonte acrescenta que em menos de 15 dias já participaram mais de meio milhão de portugueses.
O MUDA defende que o regulamento do concurso é claro e nunca são partilhados dados pessoais entre as entidades privadas e públicas envolvidas.
Como se pode ver no seu site, a A2D Consulting, com quem a AT assinou o contrato para entrar no MUDA, apresenta-se como uma empresa de consultadoria que pretende ser o "parceiro estratégico da transformação digital" das empresas dando-lhes "acesso a soluções e serviços tendo em vista a reinvenção do seu modelo de negócio, o desenvolvimento de competências e o aprofundamento de conhecimentos para alcançar a excelência no mundo digital".
Levanta dúvidas, mas não viola lei
Questionado sobre o regulamento e o conteúdo do site deste concurso, o presidente da Associação Portuguesa de Proteção de Dados confessa que ele próprio já recebeu o e-mail da AT a promover o concurso, mas eliminou-o de imediato devido a um informação inicial que não era clara.
Agora, depois de ler os termos e condições, Henrique Santos diz que "do ponto de vista formal aparentemente está tudo correto", cumprindo a lei de proteção de dados e privacidade, a não ser "num detalhe".
As principais dúvidas do representante desta associação são, contudo, "éticas", pois tem muitas dificuldades em perceber qual o objetivo exato do concurso e não acredita que assim se promova o uso dos serviços digitais em tantas empresas e serviços públicos.
Henrique Santos explica as dúvidas que tem.
"Tenho uma dúvida razoável sobre o verdadeiro objetivo pois há um excesso de benefícios, os prémios, sem se perceber exatamente o objetivo das empresas envolvidas" que são de áreas muito diversas e com interesses muito diferentes, conclui o representante da Associação Portuguesa de Proteção de Dados.