Ignoradas e maltratadas durante o parto. Mulheres saem à rua contra a violência obstétrica

Um movimento cívico de mulheres convocou para sábado manifestações em todo o país para contestar o parecer da Ordem dos Médicos que rejeita a existência de violência obstétrica em Portugal. Na página do Instagram, este movimento publicou uma série de relatos de mulheres que se sentiram ignoradas e maltratadas durante o parto.

Há mulheres que falam de partos violentos, de intervenções não consentidas, de comentários desagradáveis e até de "terrorismo psicológico". São dezenas de testemunhos de mulheres que se sentiram abandonadas, ignoradas e maltratadas num momento que devia ser especial. Relatos por uma maior humanização do parto.

Catarina Branco, 24 anos, foi mãe há 18 meses e revela que a experiência de parto deixou marcas. Catarina não tem dúvidas de que foi vítima de violência obstétrica. Durante 18 horas desesperou por alívio e por informação. "Estive desde as 5 da manhã até às 11 da noite quase sem informação, chamava as enfermeiras para me darem a epidural e só me diziam que tinha que aguentar mais tempo, não me explicavam porquê nem tentaram ajudar de outra forma para aliviar a dor", conta.

Já no momento do parto, doeram também as palavras. Catarina Branco recorda um comentário que a afetou em particular: "Faz bem força, mas está a deixar-se levar pela dor."

"Pode parecer nada, mas dá-nos uma sensação de impotência muito grande", afirma. Para esta mãe, num momento de vulnerabilidade é importante mais humanidade e tempo. Às palavras sucederam-se as intervenções e, a certa altura, tinha uma médica a fazer-lhe pressão no abdómen.

"Eu pedi várias vezes para ela parar porque estava a magoar-me ainda mais e tive de tirar o braço dela de cima de mim duas vezes e à terceira disse: não volte a fazer isso." Hoje Catarina sabe que se tratava da manobra de Kristeller, uma técnica obstétrica executada durante o parto com o objetivo de facilitar a saída do bebé, mas que tem sido desaconselhada.


A experiência de parto de Catarina foi em tudo diferente daquela que desejava: o companheiro pôde estar presente, mas não deixaram que fosse ele a cortar o cordão umbilical, levaram o bebé à pressa sem que a mãe lhe pudesse pegar e fizeram tudo sem explicações, nem pedir autorização. Sem dúvidas de que os médicos e enfermeiros fazem de tudo para salvar vidas, Catarina só pede que questionem alguns procedimentos. Este sábado vai estar a manifestar-se no Porto.

A Associação Portuguesa pelos Direitos da Mulher na Gravidez e no Parto apoia os protestos. A presidente, Sara do Vale, explica que a violência obstétrica é tudo aquilo que é feito sem o consentimento da mulher, o abuso ou desrespeito físico ou verbal no contexto da assistência à gravidez, ao parto e puerpério e não entende a posição da Ordem dos Médicos, que a 20 de outubro emitiu um parecer no qual rejeita a existência de violência obstétrica em Portugal.

"É muito estranho porque, com a quantidade de reclamações e queixas que chegam à associação, como é possível que a ordem não tenha esse conhecimento?", questiona-se.

Para mudar alguma coisa é preciso admitir que o problema existe, acredita Sara Vale, que conta que a maior parte das mulheres que recorre à associação só quer um pedido de desculpas. Quando as instituições e os profissionais respondem que tudo foi feito de acordo com o protocolo, ou que a mulher não sabe o que está a dizer, elas decidem avançar para tribunal. Foi o caso de Catarina Branco que ainda espera por informações sobre o parto que ocorreu há ano e meio.

A TSF contactou a Ordem dos Médicos, mas até agora não obteve resposta.

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