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Uma fiscalização da Entidade Reguladora da Saúde (ERS) ao Hospital de Santa Maria, em Lisboa - o maior hospital do país -, feita em agosto de 2020, encontrou mais de meia centena incumprimentos de normas e orientações da Direção-Geral da Saúde (DGS) para prevenção da Covid-19.
O Centro Hospitalar e Universitário Lisboa Norte respondeu em dezembro e apresentou uma série de mudanças, garantindo estar a "implementar medidas corretivas" e a "programar a implementação de outras", mas mesmo assim ainda restam cerca de 50 falhas que levam a ERS a fazer outras tantas recomendações.
A deliberação com 134 páginas, consultada pela TSF, conclui que "o Hospital de Santa Maria padece de constrangimentos suscetíveis de afetarem os direitos e interesses legítimos dos utentes sob sua responsabilidade, em especial o direito à prestação de cuidados de saúde adequados, de qualidade e com segurança, evidenciando-se a preterição de procedimentos definidos pela DGS em matéria de prevenção, controlo e vigilância da infeção pelo vírus SARS-CoV-2".
Oito reclamações em menos de dois meses
A ação de fiscalização ao hospital nasceu de oito reclamações feitas por doentes ou familiares entre 15 de maio e 7 junho de 2020 por alegados incumprimentos de normas e orientações relacionadas com a pandemia.
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Recebidas as queixas, nomeadamente - entre outros - de dois doentes internados no serviço de Hematologia-Oncologia descontentes com a presença de casos suspeitos de Covid-19, a ERS foi para o terreno e encontrou 56 "não-conformidades" com as regras da DGS em inúmeros serviços: por exemplo, em serviços de urgência, internamentos de adultos com covid, cuidados intensivos e bloco operatório, bem como na gestão de resíduos hospitalares.
Risco nos cuidados intensivos
Nos cuidados intensivos conclui-se que "não estão garantidas as condições de transferência" entre zonas covid e não-covid, com quartos para doentes com covid-19 que "não dispunham de adufa e se encontravam em sobrepressão face aos corredores, resultando na transferência de ar das designadas 'zonas vermelhas' para as 'zonas amarela' e 'verde', ou seja, promovendo a eventual difusão da carga viral, em vez de operar no sentido de a conter".
Na resposta, o Hospital de Santa Maria afirmou em dezembro à ERS que já tinha zonas de transição, mas o regulador rejeitou a explicação dizendo que não recebeu "evidências", exigindo o cumprimento da orientação da DGS para que "nos espaços com permanência ou onde possam vir a permanecer doentes infetados se mitigue a contaminação e transporte do ar contendo contaminantes e microrganismos para os outros espaços adjacentes".
Cruzamento de suspeitos e não suspeitos
Nota ainda para falhas de "sinalética adequada para orientação dos utentes e colaboradores, inclusivamente no que diz respeito a sinalética de circuitos e áreas reservadas a doentes suspeitos/confirmados com Covid-19".
Nas cadeiras das salas de espera os avisos "para promover o distanciamento social entre os utentes e impedir a utilização de alguns lugares sentados encontravam-se danificados ou espalhados pelo chão".
Na urgência de obstetrícia "verificou-se que a sala designada para a colheita de amostras biológicas, para a realização de testes ao SARS-CoV-2 a doentes suspeitas Covid-19, era também utilizada para a realização de testes rápidos Covid-19 a doentes não suspeitas que necessitavam de intervenções invasivas urgentes ou iniciavam trabalho de parto", "proporcionando o cruzamento de circuitos de doentes não suspeitas e suspeitas".
Resíduos e distanciamento
Também na gestão de resíduos encontraram-se "vários contentores afetos à triagem e acondicionamento de resíduos que não se mostravam identificados, nem ostentavam indicativo de risco biológico, mas também "alguns recipientes de resíduos sem tampa ou com tampa aberta, o que poderá propiciar a proliferação de microrganismos e colocar em causa o controlo e prevenção da infeção".
Nota ainda para casos de falta de distanciamento nas zonas de espera e nas camas de internamento.
Hospital recorda "estruturas complexas"
Na resposta do Hospital de Santa Maria, que não foi suficiente para evitar 50 recomendações por outras tantas falhas no cumprimento das orientações e normas da DGS, a administração do centro hospitalar recorda que nos primeiros meses da pandemia o Plano de Contingência passou de 100 para cerca de 300 camas e de uma para oito unidades de cuidados intensivos, adaptando "um enorme conjunto de estruturas complexas, num curto espaço de tempo, nem sempre em conformidade com todos os requisitos", nomeadamente "pelas características estruturais de base" das instalações.