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O presidente da comissão independente para os abusos sexuais na Igreja Católica revelou esta terça-feira que há, até agora, 424 casos reportados àquela entidade, descrevendo um problema "com grande expressividade" no país e com maior gravidade quanto mais se recua no tempo.
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"Se a maioria dos crimes prescreveram, o sofrimento das vítimas persiste e a ele continuamos atentos e solidários, reforçando sempre o anonimato e o máximo respeito por cada uma delas", assumiu Pedro Strecht, numa conferência de imprensa de balanço dos trabalhos da entidade que preside, em Lisboa.
O responsável afirmou que, através dos dados recolhidos até agora, "existirá um número significativo de membros da Igreja Católica referidos como alegados abusadores ao longo do período compreendido entre 1950 e 2022, confirmando a ideia que o problema, não só ocorreu, como atingiu uma grande expressividade, repetindo-se claramente em certos padrões que têm mesmo de ser evitados no futuro".
As situações reportadas, prosseguiu, "cruzam já bastante informação idêntica", facto que "reforça a consistência dos depoimentos" e "traça quadros graves existentes ao longo de décadas mais evidentes quanto mais para trás se recua no tempo, sendo que aí, em alguns locais, assumiram proporções verdadeiramente endémicas", de que foram vítimas crianças de ambos os sexos, de todos os pontos do país e "englobando as diversas realidades e grupos sociais".
Perante os dados recolhidos, "é inequívoco" que, na sequência dos "traumáticos acontecimentos do passado", a maioria das vítimas "espera um pedido de perdão diretamente formulado pelos próprios abusadores", bem como da "hierarquia da Igreja Católica portuguesa".
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Pedro Strecht revelou ainda que a comissão sugeriu à Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) para a "materialização" do pedido de desculpas e que, nesse sentido, foi contactado o arquiteto Siza Vieira "tendo em vista a elaboração de um projeto que exprimisse de maneira simples e simbólica a ideia". O arquiteto respondeu afirmativamente, disponibilizando-se para realizar pro bono. "A proposta foi entregue à direção da CEP, mas caberá sempre aos seus membros a discussão da oportunidade da iniciativa, bem como a sua eventual efetivação", sublinhou.
O pedopsiquiatra indicou também que estão concluídas as entrevistas aos bispos das dioceses do país, assim como à maioria dos dirigentes dos institutos religiosos do país, tendo em vista a recolha de mais dados de contextualização do tema.
Ainda sobre os trabalhos da comissão, Pedro Strecht disse que têm sido realizados contactos com a PJ sobre situações já reportadas àquela entidade e que, por essa razão, "dispensam nova sinalização ao Ministério Público". De igual modo, foi pedida à Judiciária informação sobre casos investigados no passado.
Segundo Laborinho Lúcio, juiz jubilado e membro da comissão, este é o último balanço que a entidade faz e também a última hipótese de a Igreja Católica, enquanto instituição, se distanciar das práticas de muitos dos seus membros. A partir de hoje, a comissão remete-se ao silêncio até 31 de janeiro, altura em que será apresentado em público o relatório final.