Um mosteiro beneditino do século XVIII, situado em São Romão de Neiva, Viana do Castelo, está em risco de ruína, mas continua habitado por duas pessoas. São uma neta e um bisneto do benfeitor que há cem anos salvou a aldeia da gripe espanhola, a chamada "mãe das pandemias". A propriedade com 11 herdeiros está à venda e a Câmara Municipal de Viana do Castelo é um dos potenciais compradores.
Um quadro com uma fotografia antiga a preto e branco de Manuel Gomes da Costa Castanho está pendurado na divisão de entrada do imóvel. A imagem amarelecida e já degradada pelo tempo data de 1949 e presta, conforme se pode ler na própria, homenagem pela Junta de Freguesia, ao homem de rosto largo e bigode vintage, enrolado para cima, que parece sorrir para quem entra.
Castanho deu trabalho nas suas terras a uma boa parte da população e protegeu-a da gripe espanhola no interior do mosteiro beneditino (ocupado entre 1761 e 1883), que comprou quando regressou do Brasil. A zona onde o imóvel está implantado ficou conhecida como "cerca". "O meu avô saía uma vez por mês para ir a Espanha buscar bacalhau. O resto a terra dava. Quando chegava, tirava a roupa toda, junto ao portão, defumava-se com eucalipto e vestia roupa limpa. A outra era queimada. Fez um mini-hospital na saída dos campos. Ninguém morreu da gripe espanhola aqui", conta a neta Luciana Castanho, que habita as ruínas do imóvel, na companhia do filho Charles Bertrand.
O edifício está cada vez mais próximo do colapso. Há espaços onde já não é possível entrar por questões de segurança. E foi colocado à venda, até hoje sem êxito. A Câmara de Viana do Castelo encetou conversações com os proprietários, tendo em vista uma possível aquisição. A ideia é dar um novo destino cultural à propriedade, que abriga, além de Luciana e Charles, cães, gatos, galinhas e outras aves, como uma arara que fala de nome Paco.
"Não conseguimos manter isto. São necessários até 4,5 milhões de euros para o restauro. Onde é que vou buscar esse dinheiro?", justifica a proprietária.
"Há três anos apareceu um comprador que estava disposto a dar 3,5 milhões, mas como nós não tínhamos os papéis em dia, não esperou. Era um particular que queria investir para hotelaria", recorda. "Gostava de ver isto restaurado. É importante para mim. Cresci aqui."
Segundo Charles Bertrand, apaixonado pela história do local que habita, o mosteiro terá sido comprado pelo seu bisavô Manuel Castanho, por "33 contos e meio". "Estamos a tentar recuperar os documentos originais para saber quem vendeu", refere.
Na entrada de uma igreja existente no interior do mosteiro, há um galinheiro improvisado e nos pilares dos claustros, roupa estendida a secar. Apesar da decadência de paredes, piso e telhado, o mosteiro dos Castanho cheira a limpo. "Limpamos com a máquina de pressão", conta Luciana, que no exterior cultiva uma horta, que por estes dias dá doces morangos.
Dentro do mosteiro de grossas paredes de pedra reina um silêncio de luxo. Tem 18 quartos de "cinco por cinco metros" e corredores sem fim. "O corredor da parte onde moramos tem 27 metros de comprimento e cinco de largura, quatro quartos, sala de banho, cozinha e umas escadas. O meu pai sempre morou aqui e aqui ficamos", descreve Luciana. "A parte mais bonita onde passo a maior parte do meu tempo é aqui [nos claustros]. Os passarinhos, o silêncio. Estou no paraíso."
Ali recolhidos, mãe e filho atravessaram sem sobressalto os confinamentos e escaparam à Covid-19.