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Quatro anos depois da criação do Observatório Judicial da Violência de Género e Doméstica ainda não é possível saber se o surgimento dessa entidade está a dar frutos. O grupo de trabalho foi criado com o objetivo de sensibilizar os juízes para as características particulares dos crimes de violência doméstica e ajudá-los a tomar decisões nesses processos. Contudo, os resultados deste trabalho não são imediatos.
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O observatório foi criado pelo Conselho Superior da Magistratura, depois do acórdão do juiz Neto de Moura, que recusou agravar a pena de um homem que agrediu a mulher com uma moca com pregos, por ela ser adúltera.
Para perceber as eventuais debilidades dos acórdãos de violência doméstica, o observatório analisou uma centena de decisões judiciais em duas comarcas do país, Braga e Setúbal. A juíza-secretária Ana Chambel explica que o estudo anónimo, onde foram ocultados os nomes dos magistrados e dos restantes envolvidos, foi feito por um "grupo alargado, com gente de todos os quadrantes".
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Integraram a análise todos os 23 presidentes das comarcas do país, os presidentes ou representantes dos tribunais da relação, um representante do Observatório Permanente da Justiça, um representante da Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género e um representante do Centro de Estudos Judiciários.
"Não que as sentenças estivessem mal, não estávamos a sindicar isso, estávamos só a tentar perceber que temas poderiam ser mais aprofundados", esclarece Ana Chambel.
Nesse estudo feito em 2020, o mais recente do observatório, concluiu-se que há aspetos dos processos judiciais que devem passar a ser mais valorizados, nomeadamente no que diz respeito às provas dos crimes.

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"Na maioria esmagadora das absolvições deste tipo de crimes, a vítima usava do seu direito ao silêncio", esclarece Ana Chambel. A juíza-secretária do Conselho Superior da Magistratura nota, no entanto, que "havia um predomínio das declarações da vítima na valoração da fundamentação da matéria de facto, quando se pode recorrer a outros meios de prova, como as perícias médicas e psíquicas".
Essa foi uma das recomendações que passou a constar nas formações dos juízes. As ações de formação dos magistrados passam também a discutir o concurso de penas, a fundamentação das penas suspensas, a densificação dos conceitos de maus tratos e de relação de namoro, a violência contra crianças - que muitas vezes é vista como uma agravante do crime e não como um crime autónomo - e ainda a palmada corretiva.
Tudo isto, segundo Ana Chambel, serve para "alertar os juízes - que são pessoas são seres humanos, não são máquinas que estão a julgar - para determinado tipo de crimes, para a evolução social que esses crimes têm, para a relevância e especificidades que eles assumem".
A juíza-secretária do Conselho Superior da Magistratura garante que "há uma ação de formação com a duração de meses que já é muito inspirada nas recomendações deste grupo". No entanto, só "daqui a uns anos talvez" vai ser possível perceber se as formações "têm algum impacto real e prático".