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Depois da sexta vaga, os números da pandemia de Covid-19 estão a descer, mas o investigador Miguel Castanho considera que é precipitado assumir que Portugal entrou em endemia, uma nova fase que só poderá ser confirmada no próximo inverno.
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"É precipitado dizermos que entrámos numa fase endémica", adiantou à agência Lusa o especialista do Instituto de Medicina Molecular (iMM) da Universidade de Lisboa, para quem o país pode "ter a esperança" de que a pandemia evolua para endemia a partir de 2023, um cenário que não é, porém, garantido.
Será o próximo inverno "a ditar se estaremos próximos da fase de endemia ou não", referiu Miguel Castanho.
Desde as primeiras infeções pelo coronavírus SARS-CoV-2 em março de 2020, Portugal já registou mais de 5,3 milhões de casos e ultrapassou seis vagas pandémicas, a mais recente das quais em maio e junho, potenciada pela linhagem BA.5 da variante Ómicron, que a Organização Mundial da Saúde (OMS) já considerou como a "mais contagiosa".
Nas últimas semanas, a mortalidade específica por Covid-19 e a ocupação hospitalar apresentaram uma tendência decrescente, com a média de casos a cinco dias a baixar do máximo de 29.101 infeções diárias registadas no final de maio para as 5.479.
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Durante esta sexta vaga, que teve um impacto menor na pressão da resposta dos serviços de saúde do que em ondas anteriores, Portugal chegou a registar mais de 38 mil casos confirmados num só dia, em 16 de maio, e um máximo de 51 mortes registadas em 05 de junho.
Apesar de o país estar a evoluir para uma situação pandémica mais favorável, Miguel Castanho alertou que, em termos de epidemiologia, Portugal ainda vai a "meio caminho".
"Admitindo que metade da população portuguesa já teve Covid-19 pelo menos uma vez, podemos afirmar que cerca de 50% dos portugueses ainda não foram infetados", estimou o especialista do iMM, ao salientar que, sem vacinas atualizadas contra o SARS-CoV-2, "não há perspetiva de uma mudança radical na proteção contra o vírus até ao outono/inverno".
Esta semana, o Centro Europeu de Prevenção e Controlo de Doenças (ECDC) avançou que as vacinas adaptadas à Ómicron serão provavelmente autorizadas para utilização na União Europeia em setembro, prevendo que estejam disponíveis durante o último trimestre deste ano. No entanto, o calendário de distribuição e o seu fornecimento estão ainda a ser definidos com os fabricantes.
De acordo com o professor da Faculdade de Medicina de Lisboa, o que mais caracteriza uma endemia é a estabilidade no número de infeções, com flutuações sazonais contidas dentro de intervalos antecipáveis.
"É o que se passa com a gripe e está longe de acontecer com a covid-19", salientou o especialista, que admitiu como possível que, no final deste ano, Portugal enfrente "um novo aumento da taxa de infeções", embora não seja previsível o que vai acontecer nessa altura.
Para já, Miguel Castanho refere que o pior da sexta vaga já passou, o que "não é o mesmo que dizer que já estamos bem", tendo em conta que ainda existem cerca de 250 mil casos ativos em Portugal, que regista também uma incidência de novas infeções superior à do último verão, além de que o impacto social e económico da covid-19 "em geral continua a ser enorme".
Além disso, o número mortes por covid-19 "deve continuar a ser um fator de preocupação", alertou o especialista, que defende a necessidade de se "aprofundar o conhecimento da razão pela qual o número de vítimas mortais não decresce continuamente até valores muito mais baixos dos que se têm registado em 2022".
No contexto internacional, Portugal viu chegar mais cedo a linhagem BA.5 do que outros países europeus, que começam agora a enfrentar os contágios resultantes dessa evolução da variante Ómicron.
Essa situação levou o ECDC a recorrer ao exemplo de Portugal para prever que outros países da Europa podem assistir a um aumento de casos de covid-19 devido às linhagens BA.4 e BA.5, enquanto a OMS adiantou que a BA.5 foi a linhagem que mais aumentou a nível global, ultrapassando já os 53%.
"É muito curioso que Portugal tenha sido praticamente o estreante da entrada da variante do Reino Unido [Alpha] na Europa continental e o estreante da variante Delta na Europa, um pouco à semelhança do que vivemos agora com a BA.5", referiu Miguel Castanho, para quem "conviria entender as razões deste fenómeno".
O investigador admite que isso poderá estar relacionado com hábitos culturais ligados à mobilidade do período de Natal e do verão, às condições do inverno e a uma imigração e emigração intensas e em simultâneo, com "pontes" em África, nas Américas, na Ásia e na Europa central.
A tendência é que a severidade da doença associada a novas variantes ou subvariantes não se agrave, disse ainda Miguel Castanho, ao salientar que as variantes que mais se transmitem sem debilitar o hospedeiro são as que mais se multiplicam e, portanto, as que dominarão sobre as restantes.
No entanto, podem surgir, dentro desse processo de evolução, fugas a essa tendência natural, com variantes que podem ser mais severas por mudarem a fisiologia da interação com os humanos, explicou o especialista.
"As redes de vigilância epidemiológica permanecem ativas e lançarão alertas se for caso disso", disse ainda Miguel Castanho.