Pouco peixe e sem ter a quem vender, arte xávega em terra

A cerca sanitária fechou Ovar quando os pescadores da arte xávega se preparavam para regressar ao trabalho. Recordam um ano difícil, com tudo fechado nem conseguiam vender o pouco peixe que o mar deu.

A comunidade piscatória também foi obrigada a ficar em casa durante a cerca sanitária em Ovar, entre 18 de março e 17 de abril. Normalmente, é a partir de março que voltam a lançar as redes, depois de serem obrigados a parar durante o outono e o inverno.

Na Praia Velha, em Esmoriz, a norte do concelho de Ovar, quem trabalha desde sempre na pesca artesanal diz que o vírus até parece ter afastado o peixe. O barco com as cores gastas, de nome "Susana", pousado junto ao armazém de madeira de Vítor Caxeira, aponta o caminho.

Vitor Caxeira tem quase 40 anos de trabalho na arte xávega, começou com o pai e conta que o último ano veio alterar as rotinas. "Afetou-nos em tudo: fechando os restaurantes, temos muita dificuldade a vender o pouco peixe que tem dado. Um ano muito fraco até na pesca, a Covid parece que afetou o próprio peixe."

Por causa da Covid-19 foram ainda mais os dias em terra. "Ainda hoje se vive muito mal, com dificuldades, mas há quem tenha dificuldades e tenha vergonha de pedir. Estamos mortinhos que isto passe, queremos liberdade."

Vítor Caxeira está acompanhado por Telmo Zarrais, o Zé (José Ferreira) e o Paleta (nome oficial: António Carapuço).

"Estamos parados e de que maneira, além de dar pouco peixe, mesmo que apanhasse peixe nem dinheiro dava, não tínhamos a quem vender". O desabafo é de António Carapuço, que já esteve doente com Covid-19, assim como quase toda a família. Anda na pesca desde os 13 anos e não se conforma com as novas regras. "Obrigaram-nos a usar luvas, uma máscara e viseira... agora imagine no mar, com o barco, se vem uma vaga, bate naquilo e abre-nos a cabeça. Não vemos nada... íamos só com a máscara."

Também Telmo Zarrais, que anda no mar há mais de 45 anos e tem uma companha, fala de um ano difícil, em que tudo foi diferente. "Uns dias melhores, outros piores, mas temos de aguentar, não temos ajudas de ninguém na arte xávega. Quem legalizou esta arte optou pela envolvente arrastante e por isso não tem apoio do Estado." Telmo tem problemas respiratórios, já tomou a primeira dose da vacina contra a Covid-19.

Carmelinda Maganinho, tia de Vítor Caxeira, junta-se à conversa. Põe a mão no peito quando recorda o último ano. "Para nós, foi como todos, sempre parados e recolhidos em casa. Quem não comer ao meio dia come à noite, o pescador é honesto e entreajuda-se."

José Ferreira já está reformado, há 15 anos que não vai ao mar. "A vida de pescador é dura, hoje podemos ter peixe, amanhã já não podemos vender e andamos nesta vida."

Nos dias em que a força do mar os obrigava a ficar em terra, sabiam como ocupar o tempo, o coronavirus até isso lhes tirou. Só pedem saúde e liberdade. "Queríamos era que passasse, para a malta andar à vontade. Ter a liberdade e que a vacina seja eficaz!" Carmelinda Maganinho desabafa: "Se isto não acabar, não levais vida, é tempo perdido".

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