- Comentar
Um ano depois do surgimento do primeiro caso de Covid-19 em Portugal, que esperança podemos ter na ciência e na saúde? Em debate esta segunda-feira na TSF, Mónica Bettencourt-Dias, diretora do Instituto Gulbenkian da Ciência, e Ana Valverde, diretora clínica do Hospital Fernando Fonseca, olham para as dificuldades do ano que passou como aprendizagens para o futuro.
A colaboração entre a ciência e a sociedade "será a única maneira de sobreviver, de lutar contra outras pandemias", aponta Ana Valverde. Mónica Bettencourt-Dias concorda "sabíamos que havia esse potencial, mas estávamos separados". Agora que comprovamos que vários setores podem trabalhar em conjunto, "as oportunidades de sinergia" têm de ser asseguradas no futuro.
Se, num primeiro momento, desvalorizamos o risco após o aparecimento deste coronavírus é porque "não estávamos preparados", aponta a diretora clínica do Hospital Fernando Fonseca. "Os alertas existiam, mas os países, não só Portugal não tinham uma estrutura preparada para pandemias."
Um problema sem precedentes
"A reação ao desconhecido pode ser para exagerar ou minimizar", aponta Ana Valverde. "Nunca nos tínhamos confrontado com uma realidade como esta", por isso, quando surgiu um novo coronavírus "pensámos 'é mais um'", da mesma maneira que outros vírus, como o ébola, fizeram soar os alarmes, mas acabaram por nunca chegar Portugal".
Subscrever newsletter
Subscreva a nossa newsletter e tenha as notícias no seu e-mail todos os dias
O mesmo se verificou com o SARS, acrescenta Mónica Bettencourt-Dias. "Ficou-se com a ideia que estas coisas surgem, mas não continuam".
Para a diretora do Instituto Gulbenkian da Ciência, outro fator determinou a desvalorização do risco: "o facto desta doença se propagar em assintomáticos, que é uma coisa horrorosa". O total desconhecimento inicial sobre a doença e a forma como se propagava levou os agentes políticos a ter dúvidas sobre a melhor forma de agir. "Pensavam, 'vou bloquear a economia vai ter um impacto enorme e posso estar errado'. O medo foi esse".
Outra lição aprendida para o futuro: é preciso apostar na rede de cuidados integrados e educar a população, promovendo mais "literacia na saúde", defende Ana Valverde no debate com moderação de Pedro Pinheiro, diretor executivo da TSF.
Mónica Bettencourt-Dias acrescenta a necessidade de criar em Portugal grupos de trabalho que possam ajudar os deputados a tomar decisões de base cientifica, à semelhança do que já acontece noutros países, já que a falta de consensos pode originar "mal entendidos".
A incerteza pode ser uma fonte de "frustração por parte da sociedade ou dos políticos", mas faz parte do processo científico, lembra Mónica Bettencourt-Dias. Normalmente o conhecimento científico chega à esfera pública quando já existem conclusões, após anos de investigação e corroboração, mas "neste momento as pessoas estão a ver todos os passos intermédios", explica.
Uma sequela "silenciosa"
Depois daquela que foi, na opinião de Ana Valverde, a experiência "mais dura das nossas vidas", tanto para médicos como para doentes, a "ansiedade e depressão, quase um stress pós-traumático, vão ser parte das sequelas desta pandemia". Problemas de saúde mental vão atingir uma grande parcela da população, uma consequência "mais silenciosa, mas igualmente dura", da Covid-19.
Inegável é ainda o impacto da pandemia nas outras doenças. Os três institutos portugueses de oncologia realizaram em 2020 menos 3.100 cirurgias oncológicas do que no ano anterior e houve menos 2.380 doentes referenciados para os IPO.
Mónica Bettencourt-Dias conta que muitos doentes chegaram ao hospital com "cancros num estado muito mais tardio do que seria normal, porque as pessoas já tinham alguns sintomas e adiaram ir ao médico".
A diretora do Instituto Gulbenkian da Ciência lembra que a prevenção é a melhor medida para detetar e tratar inúmeras doenças, pelo que apela aos portugueses que não deixem de ir ao médico: "não dá mesmo para esperar" pelo pós-pandemia.
Já os doentes que foram infetados pelo SARS-CoV-2 e conseguiram recuperar podem enfrentar inúmeras sequelas, incluindo problemas respiratórios, cardiovasculares ou neurológicos, como cansaço crónico ou "um limiar de fatigabilidade muito mais curto", nota Ana Valverde. Mónica Bettencourt-Dias destaca que esta é outra face "assustadora" da Covid-19. No caso do SARS, há doentes recuperados que "ainda têm sequelas hoje em dia, passados 20 anos".
"Esta cultura vai ter de durar"
A vacina - que se desenvolveu tão rapidamente graças a anos de conhecimento científico paralelo - é a grande esperança: "se pudermos eliminar as formas severas da doença vamos ficar todos muito mais descansados", mas é preciso continuar à procura de um medicamento eficaz que permita tratar aqueles que ficam doentes. Se assim for, a Covid-19 pode continuar presente no futuro, mas passa a ser "como uma gripe", aponta Mónica Bettencourt-Dias.
Não sabemos por quanto tempo vamos ter de usar a máscara, manter a higienização das mãos e tomar outras precauções associadas à prevenção do contágio, acrescenta Ana Valverde - "Esta cultura vai ter de durar, não sabemos quanto tempo, e vai mudar a nossa mentalidade", considera.
"Todos temos noção que está para durar. Se é um ano ou dois... não é fácil de prever." Para a diretora clínica do Hospital Fernando Fonseca, o "desconfinamento vai ter de acontecer, mas vai ter de ser uma coisa muito progressiva e lenta, muito cautelosa. Mónica Bettencourt-Dias concorda: é preciso testar "muito mais" e mais frequentemente e "seguir muito bem aquilo que se está a passar para poder reagir e voltar atrás se for preciso."
Além disso, defende a diretora do Instituto Gulbenkian da Ciência, a reabertura tem se ser "gradual com prioridade para aqueles que realmente precisam, como as crianças pequenas" e não tem de ser igual em todo o país, considera.
Que mensagem para o futuro da pandemia? "Prudência e resiliência", destaca Ana Valverde. "Isto ainda não acabou e não sabemos quanto é que vai durar." "Otimismo", diz, por sua vez, Mónica Bettencourt-Dias. "O facto de a ciência ter conseguido o que conseguiu em tão pouco tempo é brutal. Temos de ter acreditar que tudo vai ficar melhor."
