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O diretor do Instituto de Bioquímica da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, Miguel Castanho, considera sensata a decisão de suspender a vacina da AstraZeneca, mas critica a forma como a Direção-Geral da Saúde (DGS) geriu esta questão.
Em declarações no Fórum TSF, esta quarta-feira, Miguel Castanho afirmou que, na dúvida, deve aplicar-se o princípio da precaução e suspender a vacinação, mas ressalva que a atuação da DGS pode ter abalado a confiança da população nas vacinas.
"O que pode minar a confiança é o facto de, num dia, nos ser garantido pela Direção-Geral da Saúde de que não há qualquer problema e que a administração da vacina é para ser mantida, e logo no dia a seguir, nos ser dito que, pelo princípio da precaução, não vamos aplicar a vacina", expõe.
"Tudo dependerá das garantias que as autoridades portuguesas têm de que os lotes fornecidos a Portugal não têm o mesmo problema hipotético [verificado noutros países]. Se não existe essa garantia, então deveríamos ter logo desde o início tomado esta decisão da suspensão por precaução, que teria sido muito clara - parece-me que é lógica e que toda a gente compreenderia", aponta Miguel Castanho.
Miguel Castanho tece críticas à atuação da DGS no processo da suspensão da vacina da AstraZeneca
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Já Miguel Prudêncio, investigador do Instituto de Medicina Molecular da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, recorre à estatística para sublinhar a importância da vacinação., alegando que há mais hipóteses de morrer de Covid-19 do que de morrer da vacina.
"Mesmo que estes 30 a 40 [casos relatados de eventuais problemas após a vacinação com o fármaco da AstraZeneca] fossem resultado da vacina - o que não está demonstrado que sejam -, em 17 milhões de pessoas vacinadas, isto corresponderia a uma percentagem de 0,0002% e a taxa de mortalidade por Covid-19 é de cerca de 2% - isto é, 10 mil vezes mais", frisou, em declarações no Fórum TSF.
"Mesmo que estas ocorrências fossem resultado da vacina - e, volto a dizer, não está demonstrado que sejam -, a probabilidade de um destes eventos ocorrer seria cerca de 10 mil vezes menor do que a probabilidade de falecer de Covid-19, no caso de contrair a doença", insistiu Miguel Prudêncio.
Miguel Prudêncio ressalta que a probabilidade de ter problemas por causa da vacina é pequena
No entanto, o colega Miguel Castanho defende que usar estatística para tranquilizar a população "não é uma boa política".
"As pessoas, face à sua saúde, face à sua vida, não se tranquilizam com estatísticas", alertou o diretor do Instituto de Bioquímica da Universidade de Lisboa.
"Quando atravessamos uma estrada, olhamos para um lado e olhamos para outro, ainda que naquela estrada passem poucos carros. Nós não pesamos a probabilidade de vir a ser atropelados antes de atravessar a estrada; simplesmente, quando chegamos à beira da estrada, olhamos para um lado, olhos para outro e, se for seguro, atravessamos", exemplificou.
Miguel Castanho considera que não é com estatísticas que se tranquiliza a população
A Direção-Geral da Saúde e o Infarmed anunciaram, esta segunda-feira, a suspensão do uso da vacina produzida pela AstraZeneca em Portugal "por precaução", na sequência de decisões idênticas por parte de vários outros países europeus, como a Espanha, Itália, Alemanha e França.
A decisão surge depois de relatos de casos graves de coágulos sanguíneos em pessoas que foram vacinadas com doses do fármaco da AstraZeneca.
Por seu lado, a empresa já veio afirmar que não há motivo para preocupação com a vacina e que houve menos casos de trombose relatados nas pessoas que receberam a injeção do que na população em geral.
*com Manuel Acácio e Rita Costa
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