Todos os arguidos absolvidos no processo dos incêndios de Pedrógão Grande

Coletivo de juízes considerou a acusação e acusações particulares "totalmente improcedentes e não provadas".

Todos os onze arguidos do processo sobre os incêndios de Pedrógão Grande foram esta tarde absolvidos de todos os crimes de que eram acusados.

"Acordam os juízes que compõem este tribunal coletivo em julgar a pronúncia, a acusação e as acusações particulares totalmente improcedentes e não provadas, e absolver os arguidos da prática de todos os crimes", disse a presidente do coletivo de juízes, Maria Clara Santos, na leitura do acórdão.

Quanto aos pedidos de indemnização cível, o tribunal julgou-os totalmente improcedentes, absolvendo os arguidos e os demandados.

No que se refere aos assistentes, o coletivo de juízes condenou cada um ao pagamento de cinco unidades de conta de taxa de justiça, "levando-se em conta a já paga".

Comandante recebido com aplausos

Um dos momentos mais marcantes desta tarde deu-se aquando da saída do comandante dos Bombeiros Voluntários de Pedrógão Grande, Augusto Arnaut, sob fortes aplausos dos bombeiros no local, que gritaram o seu nome.

A decisão hoje conhecida, reconheceu, era a que esperava ouvir, sem esquecer as vítimas: "Todos nós, bombeiros, tudo fizemos para que não acontecesse. Não foi possível, a natureza prevaleceu."

Questionado sobre se o tribunal tentou entender as condições em que foi feito o combate, Augusto Arnaut entende que o tribunal foi "bem explícito" nessa dimensão.

A advogada Filomena Girão, por seu lado, notou que o tribunal "felizmente acolheu aquela que era a verdade", pelo que a decisão "não foi uma surpresa".

"É um dia feliz para o país porque nós portugueses temos a certeza de que os bombeiros, doravante, podem voltar a confiar na justiça", assinalou a advogada, lamentando que não tenha sido feita "justiça absoluta para o comandante", cujos mais recentes cinco anos "foram de grande sofrimento e de grande angústia".

Filomena Girão lamenta também que "vivamos cada vez mais uma justiça de classe", reconhecendo que "poucos de nós" podem aceder ao que foi feito neste processo, que envolveu "milhares de horas de trabalho".

Acusação "perfeitamente infundada"

À saída do tribunal, Castanheira Neves, advogado do autarca de Castanheira de Pera à altura dos incêndios Fernando Lopes, assinalou que o acórdão é "rigorosamente" o que a defesa esperava, porque "não era previsível, de um tribunal como este - independente, sério do ponto de vista intelectual e muito objetivo -, que fez uma produção de prova exemplarmente minuciosa" sair "outra solução que não fosse esta".

Esta era uma acusação "perfeitamente infundada, injustificada e que prejudicou gravemente e arrasou em todos os planos os arguidos", pelo que o advogado pela agora reflexão e "bem mais cuidado" ao Ministério Público na produção de acusações: "Acusar sim, sempre que houver indícios sérios e suficientes", mas "não de forma leve e arrasadora como aconteceu."

Sentença para ler "com atenção"

O advogado em representação de Valdemar Alves, ex-presidente da câmara de Pedrógão Grande, lamenta uma justiça "que vem tarde" e refere que o processo "podia ter acabado a partir do momento em que chegou ao Ministério Público o relatório da comissão técnica independente".

"Este incêndio e as mortes que causou deveram-se sobretudo a uma tempestade de fogo que ninguém podia prever nem combater", realçou Magalhães e Silva, deixando elogios à juíza presidente pela "lição que deu ao país, explicando o sentido da sentença".

No âmbito da prevenção e combate, o advogado assinala também a "enorme responsabilidade das autoridades centrais nas deficiências" identificadas, a quem aconselha que "leiam com muita atenção esta sentença".

Quanto ao Ministério Público e à sua "estrutura hierárquica", o advogado diz que "era bom que tivesse o decoro processual de não interpor recurso desta decisão". Instado a comentar se a culpa morre solteira, notou que "ninguém podia prever" o que aconteceu.

"O mal foi exatamente dizer-se que a culpa não podia morrer solteira antes de se saber se havia ou não alguma culpa atribuída", notou.

Território "não tinha qualquer espécie de ordenamento"

O advogado dos funcionários da E-REDES, João Cunha, assinalou que "ficou demonstrado" que os arguidos "cumpriram os seus deveres", de forma até "mais exigente do que a lei previa", pelo que não ficou demonstrada qualquer responsabilidade.

O tribunal acabou por entender que o território "não tinha qualquer espécie de ordenamento", e que a fase inicial do terreno "não leva a que haja responsabilidade sobre o que vai ocorrer 12 quilómetros depois".

A leitura do acórdão começou de manhã e terminou à tarde, num total de cerca de cinco horas e meia, e foi lida pelos três juízes que compõem o coletivo (além da presidente, os magistrados judiciais António Centeno e Lígia Rosado).

Os arguidos eram o comandante dos Bombeiros Voluntários de Pedrógão Grande, Augusto Arnaut, então responsável pelas operações de socorro, dois funcionários da antiga EDP Distribuição (atual E-Redes), José Geria e Casimiro Pedro, e três trabalhadores da Ascendi (Rogério Mota, José Revés e Ugo Berardinelli).

Os ex-presidentes das Câmaras de Castanheira de Pera e de Pedrógão Grande, Fernando Lopes e Valdemar Alves, respetivamente, também foram acusados.

O presidente da Câmara de Figueiró dos Vinhos, Jorge Abreu, assim como o antigo vice-presidente da Câmara de Pedrógão Grande José Graça e a então responsável pelo Gabinete Florestal deste município, Margarida Gonçalves, estavam, igualmente, entre os arguidos.

Em causa neste julgamento estavam crimes de homicídio por negligência e ofensa à integridade física por negligência, alguns dos quais graves. No processo, o Ministério Público contabilizou 63 mortos e 44 feridos quiseram procedimento criminal.

Nas alegações finais, sem pedir concretamente a absolvição, a procuradora da República Ana Mexia considerou que o arguido José Geria devia ser "julgado de acordo com a prova produzida".

No caso do presidente da Câmara de Figueiró dos Vinhos, Jorge Abreu, a magistrada do Ministério Público (MP) pediu a sua absolvição.

Para os restantes nove arguidos, o MP pediu condenação, especificando com prisão efetiva para Augusto Arnaut, Casimiro Pedro e os três funcionários da Ascendi.

Foi na Estrada Nacional 236-1, que liga Castanheira de Pera a Figueiró dos Vinhos, onde ocorreu a maioria das mortes. A subconcessão rodoviária do Pinhal Interior, que integrava esta via, estava adjudicada à Ascendi Pinhal Interior.

Aos funcionários das empresas, autarcas e ex-autarcas, assim como à responsável pelo Gabinete Técnico Florestal, eram atribuídas responsabilidades pela omissão dos "procedimentos elementares necessários à criação/manutenção da faixa de gestão de combustível", quer na linha de média tensão Lousã-Pedrógão, onde ocorreram duas descargas elétricas que desencadearam os incêndios, quer em estradas, de acordo com o MP.

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