Vício da raspadinha. "O Estado não pode ser ao mesmo tempo regulador e promotor de jogo"

"Uma raspadinha promovida pelo Estado é uma má ideia e associar o jogo à recuperação do património é um princípio errado" defende o médico psiquiatra Pedro Morgado.

O médico psiquiatra e professor da Escola de Medicina na Universidade do Minho admite que "financiar obras no património é absolutamente necessário e indispensável à nossa sociedade e ao nosso país, mas associar algo que pode ser nefasto para a vida das pessoas a esse fim é um princípio errado". Pedro Morgado diz ter muitas reservas quanto à iniciativa do Governo que está prevista no Orçamento de Estado e que deve ser lançada em maio, adiantando que "numa pessoa sem doença esse incentivo não tem qualquer impacto, mas numa pessoa que está doente funciona como um gatilho, como mais uma acha para uma fogueira que é muito difícil de controlar".

O presidente do Conselho Económico e Social anunciou esta segunda-feira que ia pedir a investigadores da Universidade do Minho um estudo sobre o impacto social do vicio da raspadinha. Francisco Assis pediu também ao governo que repondere o lançamento da nova lotaria instantânea para financiar intervenções no património cultural do país. O lançamento desta raspadinha está previsto para 18 de maio, e tem uma receita esperada de 5 milhões de euros.

"O Estado não pode ser ao mesmo tempo regulador e promotor de jogo"

Pedro Morgado afirma que "o jogo sendo uma atividade livre comporta riscos e é preciso ser regulado, e é ao Estado que cabe essa regulação. O Estado para ser um bom regulador não pode ser ao mesmo tempo um promotor ou um negociante que faz a promoção do jogo. É, por isso, que ter uma raspadinha que é promovida pelo Estado é uma má ideia". Para o médico psiquiatra "há problemas muito sérios que resultam de todos os tipos de jogo e que em Portugal podem estar mais associados à raspadinha uma vez que o consumo é significativamente superior a outros países. Em Portugal, em 2019 cada habitante consumiu em média 160 euros em raspadinhas enquanto no mesmo ano, em Espanha o consumo foi de 14 euros, dez vezes mais de consumo médio, o que significa que deveremos ter muitos mais problemas de jogo patológico, ou vicio do jogo".

O médico psiquiatra e professor da Escola de Medicina da Universidade do Minho defende, por isso, que é preciso fazer "um estudo epidemiológico que quantifique e caracterize as pessoas que têm um problema de jogo patológico, mas também é preciso perceber qual o perfil do jogador e os impactos económicos e sociais que o jogo da raspadinha tem no nosso país".

O jogo da raspadinha, à semelhança de outros jogos, deveria ser regulado de forma a que um jogador pudesse auto excluir-se

Pedro Morgado explica que "não se pretende proibir o jogo, pelo contrário, a ideia é que o jogo seja acessível, mas regulado de uma forma mais eficaz".

O médico psiquiatra explica que "essa regulação já existe para o jogo em casinos e até para o Placard em que as pessoas podem pedir uma autoexclusão. Para a raspadinha não existe qualquer tipo de mecanismo de autorregulação. As pessoas que estão doentes e que têm dificuldades em controlar os impulsos não têm nenhuma forma de moderar os consumos porque o acesso é fácil".

O médico que é também professor na Escola de Medicina da Universidade do Minho sublinha ainda que "se a raspadinha estivesse associada a um cartão de jogador, a própria pessoa podia pedir o bloqueio do seu cartão de jogador e, dessa forma, seria mais difícil adquirir uma raspadinha, porque havia uma identificação no sistema que impedia que isso acontecesse", conclui.

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