Estórias do Fim da Rua

Detalhes da vida de um país que, de facto, existe. São crónicas dos dias, sempre baseadas em factos. Qualquer semelhança com a realidade não é pura coincidência. Uma rubrica de Pedro Cruz.

O carro, o motorista e o presidente

A acusação feita pela magistrada do tribunal não era nada meiga para o presidente. Acusava o homem, e está escrito nos autos, assim mesmo, acusava o homem "de utilizar a viatura da câmara municipal para ir ter com amantes", a vários locais, no país e do estrangeiro. Na descrição do crime, o peculato de uso. No tribunal, o motorista, que era dispensado pelo presidente quando este, "a altas horas da noite", segundo os autos, pegava no carro da câmara e rumava a outras paragens fora do concelho, o motorista recordava que o presidente fazia muitos quilómetros, gastava combustível e portagens à conta do orçamento para tratar da sua vasta, preenchida e complicada vida amorosa. O tribunal considerou que as viagens fora do chamado horário de expediente deveriam ser punidas. Na prática, o presidente não fazia mais do que a sua obrigação. Um presidente da câmara não tem horários, é sempre presidente, a qualquer hora do dia ou da noite, esteja no concelho ou fora dele.

Se um eleito pelo povo tem de estar disponível para atender a população, receber queixas, ir a correr quando há um desastre, uma catástrofe ou um acontecimento repentino, também não é certo que não possa usar a viatura da câmara municipal. Nunca se sabe quando pode acontecer um imprevisto, e o presidente deve andar prevenido contra imprevistos. É por isso que, à cautela, usa sempre o carro do município. Foi isso mesmo que disse na instrução o advogado de defesa. O presidente tinha isenção de horário.

Nos factos, que o tribunal considera criminosos, no ver do presidente - que manteve o silêncio, que não atendeu o telefone e que não quis esclarecer nada - no entendimento do presidente, não há nada de errado. A culpa é do motorista, que foi logo contar à justiça a vida amorosa do autarca, assunto que deveria ser íntimo e não público. Por outro lado, quando se deslocava para fora do país, ali ao lado, a Espanha, também não estava a fazer nada de mal. Tinha só na ideia estreitar laços com os vizinhos, com os municípios do outro lado da fronteira, com o alcaide dessa cidade, que, por vezes, ele encontrava no parque de estacionamento do denominado "estabelecimento de diversão noturna" descrito nos autos. A inveja do motorista e de outros funcionários municipais, que foram testemunhar contra o presidente é que era uma coisa feia. Agora, o presidente já não é presidente, já não tem carro da câmara e vai a julgamento. Não há direito.

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