Postal do Dia

Já ninguém escreve postais, mas a TSF insiste e manda bilhetes postais com destinatário. Em poucas palavras mas com ideias que fazem pensar: "Postal do Dia", com Luís Osório. De segunda a sexta-feira, depois das 18h00 e sempre em tsf.pt.

John Cleese e o "parolo" Herman José

1. A história tem circulado nas redes sociais.

Num dos aguardados espetáculos do extraordinário John Cleese, o humorista inglês deu um passo atrás quando percebeu que um espontâneo invadira o palco para o abraçar.

O espontâneo era também humorista e chamava-se Herman José.

Perante a admiração geral, Herman confessou a Clesse o quanto fora influenciado pelos Monthy Python.

2. Herman tem somado críticas e sofrido ataques que vão dos falsamente envergonhados que pedem para que alguém o proteja de si próprio e da sua falta de noção.

Aos que o atacam por ser megalómano.

(como ousou atrapalhar John Cleese, o génio dos Monthy Phyton?)

Há também os impiedosos, os que vomitam que o Herman se tornou um personagem trágico e patético.

3. O Herman José não precisa que eu o defenda.

Este postal não serve para isso.

Serve apenas como desabafo contra uma certa elite portuguesa, na verdade mais pretensiosa do que elite, que pode estar a par da música mais up to date, ler apenas os livros que não cabem nos catálogos comerciais, saber tudo sobre o que está em cena em Nova Iorque, Paris ou Londres, mas que depois, nas pequenas coisas, prova o quanto é admiravelmente parola.

4. Uma parte da malta que esgotou (e muito bem) seis coliseus para ver Cleese despedir-se dos palcos, malta que venera o humor dos Monthy Phyton, é a mesma que depois tem a coragem de atacar Herman por ter ido dar-lhe um abraço.

Este é um país do "mas".

Dos joguinhos e das capelinhas.

Dos privilégios.

O país é tão pequeno na sua dimensão, mas infelizmente ainda mais pequeno no modo como gente pretensiosa tem orgasmos múltiplos com o que vem de fora e esquece os que são portugueses, sobretudo se forem populares.

Ajoelham-se ao talento de Ai Weiwei com a mesma dose de paixão que criticam Joana Vasconcelos.

São capazes de aproveitar uma estreia da maravilhosa Caroline Nguyen para criticar Tiago Rodrigues.

Fazem silêncio sobre Saramago.

Gostam de Paula Rego, mas só agora depois de morta é que teve uma atenção parecida com a que dariam a Lucian Freud ou a David Hockney se porventura se aproximasse uma exposição retrospetiva das suas obras.

Portugal ainda é muito pequenino e provinciano; e ainda se nota mais quando as críticas chegam de pretensas elites.

5. Herman José é um monstro genial.

O que fez em Portugal não tem paralelo - na forma como fez rir um país taciturno e acabrunhado pela ditadura, na maneira como revolucionou o humor português, no modo com pôs em causa os costumes num país conservador e bafiento.

Há um Portugal antes de Herman.

E há um Portugal depois de Herman.

O momento em que ele subiu ao palco para abraçar Cleese deveria ser um momento inesquecível para quem ali esteve - o instante em que dois enormes humoristas se abraçaram celebrando o talento e o poder revolucionário do humor.

Ler o que li nas redes sociais sobre o disparate de Herman José é ofensivo.

Por que aquele momento foi histórico.

Que John Cleese não o saiba é normal.

Mas que cada português não o reconheça é que me parece verdadeiramente obsceno.

E tristemente saloio.

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