Postal do Dia

Já ninguém escreve postais, mas a TSF insiste e manda bilhetes postais com destinatário. Em poucas palavras mas com ideias que fazem pensar: "Postal do Dia", com Luís Osório. De segunda a sexta-feira, depois das 18h00 e sempre em tsf.pt.

O filho de Marta e Bernardino Soares afugentou a morte na sua revolução de outubro

1.

Encontrei-os há uns dias no Barreiro.

Falámos do seu "passarinho" que fora com eles a uma entrevista com Manuel Luís Goucha.

Bernardino Soares e Marta Gomes de Pina, dois comunistas de sempre, estavam ainda com o seu coração meio apertado - vindo do nada o pequeno Francisco comoveu toda a gente quando confessou o que queria ser quando fosse grande.

"Sou uma criança que gosta muito de espetáculos, quero ser ator um dia. A inspiração do teatro mostra a magia e inventa personagens novas que nunca antes existiram".

2.

Marta e Bernardino Soares - que para minha enorme surpresa não ganhou a Câmara de Loures nas últimas autárquicas - aprenderam a ver a vida numa outra perspetiva.

A vida é diferente quando a perda de um filho é iminente. Aquilo que é grave passa a ser menos grave, aquilo que nos incomoda deixa de incomodar tanto, a vida passa a ser um exercício em que se torna clara a diferença entre o essencial e o acessório.

3.

Marta escreveu um livro que dedicou ao pequeno Francisco.

E o Bernardino esteve quase sempre presente nas entrevistas, nos lançamentos.

"O Passarinho que Nasceu antes de Tempo", escreveu a Marta. Um livro que devemos ler às nossas crianças para que elas também aprendam a relativizar.

Porque o Francisco nasceu três meses antes de poder nascer.

Como um dia escrevi, mais prematuro do que muitos prematuros.

690 gramas.

Um bocadinho de bebé que obrigou a Marta e o Bernardino ao combate das suas vidas.

E combateram.
E estiveram presentes.
Positivos, a forçar um sorriso sempre que o sorriso ameaçava não poder ser resgatado.

4.

Foi difícil o que a vida lhes propôs.

Difícil desde o primeiro momento da gravidez.

Terrível gravidez em que, a partir das 25 semanas, tudo parecia poder acabar antes de chegar o fim do dia.

Cada dor levava Marta a pensar no filho que não iria conhecer.

Foi aí que lhe deram o nome de Francisco - talvez o tenham feito para antecipar o pior cenário. Se a pior notícia lhes chegasse já tinham um nome, ele já existia mesmo que não o pudessem ver sorrir e correr já era um nome.

A Marta quase morreu durante o parto.

Uma paragem cardiorrespiratória ultrapassada pela equipa médica na Maternidade Alfredo da Costa.

E o Francisco nasceu, um pequenino ser com meio quilo.

Uma história já contada ao país, mas a que importa voltar agora.

Porque o Francisco quer ser ator para inventar vidas que não existem, talvez para inventar um mundo novo que pode recriar num palco.

O Francisco que depois de nascer combateu pela vida.
Infeção a infeção.
Pneumonias.
Médicas e médicos, enfermeiras e enfermeiros, várias vezes a correrem com uma pressa que tentavam disfarçar para que a mãe e o pai não compreendessem.

Ventilador.
Traqueostomia.
Seis meses no hospital.
E o regresso a casa festejado como uma revolução de outubro - o regresso com o Francisco ligado a uma máquina de oxigénio e à cânula da traqueostomia.

5.

O Francisco voltou para casa e melhorou a partir daí.

Tem hoje 7 anos.

É um combatente.
Um resistente.

Não sabemos se será comunista como o pai ou a mãe, mas sabemos que deseja já um mundo novo, com personagens e ideias novas.

O "passarinho" da Marta e do Bernardino está a aprender a voar.

Tem ideias na cabeça.

Chama-se Francisco, o nome que os pais lhe deram para afugentar a morte.

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