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1.
Nunca tinha ouvido falar de Sebastião Póvoas antes da sua nomeação para presidente da ERC - Entidade Reguladora para a Comunicação Social.
Li que era juiz conselheiro, que nascera três anos depois da Segunda Guerra Mundial, que é de Viseu, que passara por Macau e que chegara a vice-presidente do Supremo Tribunal de Justiça.
Um bom currículo.
Depois soube que tinha maus-fígados, que era insuportável para muitos dos que com ele trabalhavam e que sobre comunicação social não percebia a ponta de um corno.
Mas tudo bem.
Se soubesse delegar nada de mal viria ao mundo.
E se soubesse refrear o veneno também tudo acabaria por correr bem.
Afinal, do seu ofício o homem provara que percebia. E sabemos que o sucesso de uma entidade reguladora depende de um bom conhecimento jurídico.
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O homem que perseguiu Mário Mesquita até depois da morte.
2.
Sebastião Póvoas acabou o seu mandato com um violento e inexplicável estrondo.
Retirou da fotografia - ou se preferirem, retirou da capa de um livro lançado pela ERC sobre "desinformação" o nome de Mário Mesquita, falecido em meados do ano passado.
Ora, Mário Mesquita era, até à sua morte, vice-presidente da ERC e o coordenador do livro que fechava uma coleção que também partira do seu entusiasmo.
Sebastião detestava Mesquita.
E espero que Mesquita lhe pagasse da mesma moeda.
Só que os "maus-fígados" de Sebastião não acalmaram com a morte de Mário Mesquita.
Há gente para quem isso objetivamente não chega.
E vai daí - talvez depois de uma noite mal dormida - resolveu tirar o nome do jornalista e professor universitário da capa do livro dando ordem expressa à editora para o fazer.
Foi o único livro da coleção a aparecer sem nome.
3.
Eu não conheço Sebastião Póvoas.
Não discuto a sua carreira e o talento na justiça. Não faço ideia se trepou por mérito, por aproveitamento de oportunidades políticas ou por outro motivo qualquer.
Mas sei muito bem quem foi Mário Mesquita.
E foi muitas coisas.
Um dos melhores jornalistas portugueses, mas não é por isso que foi um personagem maior.
Um dos melhores professores universitários na área dos media, mas não é por isso que foi enorme.
Um jovem brilhante que dentro dos que fundaram o Partido Socialista era considerado o mais promissor quadro político - mas não é por ter sido o mais jovem fundador do PS que mais o considero.
Um açoriano ilustre, capaz de nos fazer pensar com uma frase ou com a sua capacidade de ironizar com inteligência e um muito fino sentido de humor - mas também não é por isso que fica na história.
4.
Mário Mesquita poderia ter sido o que quisesse, mas preferiu ser o homem que no recato da sombra ajudou pessoas a pensar e a encontrarem um rumo.
Poderia ter sido o que quisesse na política, mas preferiu ser professor, trabalhar para a construção de um futuro de uma outra maneira.
Poderia ter sido o que quisesse no jornalismo. Ter fundado jornais, ter dirigido projetos e influenciado o poder político, económico ou cultural - mas preferiu sair do palco e dedicar-se às leituras, ao pensamento, aos alunos e a todos os que lhe pediam uma opinião.
5.
E sempre com uma humildade extraordinária.
Só assim se explica que tenha sido adjunto de Sebastião Póvoas.
Era o mesmo que o Pacheco Pereira ou o António Barreto aceitassem ser meus adjuntos num jornal qualquer que inventássemos.
Mas o Mário não pensava nestes termos.
E foi.
Ia sempre.
Quanto a Sebastião Póvoas, o que dizer mais?
Talvez o óbvio.
Que nunca compensa quando nos achamos melhores do que aquilo que verdadeiramente somos.
E que a vida se encarrega sempre de regular o bom funcionamento das almas.
Com maus fígados ou sem eles.
O juiz conselheiro pode perceber de leis, mas não percebe nada das regras do jogo.