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1.
O único filho de Judite de Sousa chamava-se André.
Na próxima semana faz 8 anos que morreu por culpa de um mergulho mal calculado ou de uma queda numa piscina de verão.
A vida da sua mãe nunca mais foi a mesma - como poderia sê-lo?
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Como aguentar a morte de um filho e prosseguir?
Sempre que nela penso coloco-me no seu lugar e não consigo sequer imaginar - ser mãe ou ser pai é sempre um exercício difícil entre o que de bom nos traz e o medo que passamos a carregar. Vão sair à noite e não conseguimos dormir sossegados, há um telefonema e assustamo-nos e será sempre assim, desde que são bebés e acordamos sobressaltados a achar que caíram da cama.
Será assim até à nossa morte.
Sempre a inquietação, sempre a angústia.
Por um lado, a enorme felicidade pelas suas pequenas e grandes vitórias, por outro a tristeza pelos fracassos ou o medo de os perdermos.
O Inferno de Judite de Sousa
2.
Mas para a morte de um filho nunca há palavras.
Não existem por não terem sido feitas.
Por ser impossível imaginá-las.
Um filho pode perder os seus pais e sabemos que existe uma palavra: órfão.
Mas uma mãe que vê o seu filho morrer, uma mãe ou um pai que vê o seu filho partir não tem o que chamar por nada existir para lá do inominável abismo, do horror absoluto.
A jornalista Judite de Sousa viu o seu único filho morrer faz na próxima semana oito anos.
Para ela deve ter sido ontem.
Impossível que não tenha sido ontem.
3.
Mas a Judite prosseguiu.
Conseguiu voltar a levantar-se todas as manhãs, voltou a trabalhar, voltou a fazer reportagens e a apresentar telejornais.
Já não é a mesma Judite, perdemos o brilho que os seus olhos nos traziam, aquela luz era a sua marca de água.
Isso ela deixou de poder oferecer, mas prosseguiu e cada vez que aparece não nos traz apenas as notícias, mas uma lição que talvez pudéssemos aproveitar melhor, a lição de uma mulher que mergulhou num abismo e se conseguiu levantar e recomeçar.
Todas as manhãs.
Todos os dias.
Todos os meses.
A lição de uma mulher que mostrou ser mais do que certamente algum dia imaginou ser.
4.
E esta semana soubemos ainda uma outra coisa.
Que miúdos talentosos, mas com famílias sem dinheiro, foram apoiados por uma bolsa que Judite criou com o nome do seu filho André.
Todos os anos, desde 2014, a jornalista disponibiliza uma verba que é canalizada pela SBE - escola de Economia e Gestão da Universidade Nova - para um jovem estudante com dificuldades económicas.
Soubemos esta semana ainda uma outra coisa.
Que todo o dinheiro e património de Judite de Sousa será, depois da sua morte, canalizado para essa bolsa que assim perpetuará o sentido de vida do seu André.
5.
Oito anos depois da morte do seu único filho, ela conseguiu afinal muito mais do que se levantar todos os dias.
Enfrentou o Adamastor e transformou-o em vida.
E isso não ofereceu apenas um sentido à história do seu filho.
Ofereceu um sentido à sua própria história.
E ofereceu-nos a nós a possibilidade de através do seu exemplo sermos mais, de conseguirmos ser mais enquanto aqui estamos.
A sua herança será a partir de agora não apenas a vitoriosa carreira, mas também o modo como enfrentou o inferno.
Foi isso que a transformou numa mulher maior.