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1.
Nunca troquei duas palavras com Mário Augusto.
Claro que o conheço da televisão, das entrevistas que faz a estrelas de Hollywood, do seu olhar descomplexado e generoso sobre a vida e o cinema - para ele dá ideia de que uma boa ficção é o prolongamento da vida real ou então o contrário, que a realidade é o prolongamento dos filmes.
Soube que tinha uma filha há uns dois anos.
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Li em 2020 um texto em que falava da Rita, a sua cavaleira da esperança, uma Rita que cresceu diferente dos outros meninos e meninas, uma filha marcada por uma paralisia cerebral que a condenava a não ser, a não conseguir, que a condenava a um sofrimento em vida para lá de toda a justiça.
2.
Quem é pai ou mãe sabe bem o terror de os nossos filhos poderem nascer com um problema qualquer.
Quando nascem contamos logo os dedinhos dos pés e das mãos e ficamos em suspenso com os primeiros testes - se ouve bem, se vê bem, se isto e aquilo.
Isto para não falar dos pesadelos com quedas de camas que nos acompanham ao longo da vida.
Estou a desviar-me.
Volto atrás: soube que o Mário Augusto era pai de uma menina com paralisia cerebral há uns dois anos.
Soube-o por um texto em que partilhou da sua felicidade pela entrada da Rita na universidade.
3.
Passei então a acompanhá-lo.
A ele e à Rita Bulhosa, a sua jovem filha universitária.
Que queria muito ser bailarina.
Mas que não o podendo ser nunca deixou de lutar todos os dias pela vida, pelo direito de sonhar, de fazer, de ser.
Escreveu um livro a que chamou "Aos Olhos de Rita". E nas redes sociais provou que a paralisia cerebral não é sinónimo de qualquer condenação em vida.
Passei a acompanhá-los e a admirá-los.
A ela pela força e determinação.
A ele pela maravilha de oferecer à filha o máximo que um pai ou uma mãe pode dar: a rede que lhes permita ser tudo, a rede que torna possível todos os impossíveis.
4.
Na semana passada a Rita foi operada à coluna.
Uma cirurgia muito delicada e muito dolorosa.
As dores eram insuportáveis e não existia alternativa.
O Mário voltou a escrever sobre a condição de ser pai de uma menina tão extraordinária como aquela.
Disse-nos sobre a dor da sua filha.
Mas também da força da esperança.
Escreveu sobre os parafusos apertadinhos em cada vértebra, sobre o medo.
Mas também sobre a vontade que a Rita tem de sair dali para fora e tornar à vida, aos amigos, aos projetos.
5.
A operação correu bem.
E a Rita voltou a sorrir.
Um sorriso maravilhoso, apesar do corpo quebrado e das dores permanentes.
Caro Mário, deixa-me que te trate por tu.
Obrigado pelo que és, pelo que nos dás de ti.
Obrigado a ti e à mãe Paula, por nos provarem que podemos ser rede para os nossos filhos - por mais difíceis que possam ser.
Obrigado por estarem no lugar dos que nunca abandonam, dos que resistem às perguntas sem resposta, dos que amparam, dos que exercem o direito de amar em vez do direito de desistir, capitular, falhar.
Souberam estar à altura do que a vida vos propôs, foram grandes e tornaram-se maiores do que antes da Rita existir.
Abraço-vos e agradeço-vos por terem oferecido ao mundo esta menina que nos sorri como se fosse a mais extraordinária bailarina do mundo.