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1.
A Sara faz hoje 23 anos.
Partiu em dezembro de 2020, o tempo é inapelável, faz-nos esquecer demasiadamente depressa as coisas, mesmo as que nos impressionaram muito, mesmo as que nos roubam as lágrimas aos olhos.
Hoje não é dia de festa para a família Carreira. Para eles o tempo tornou-se outra coisa, tornou-se o oposto do que é para nós, perder uma filha ou um filho é a mais cruel de todas as provações, uma espécie de condenação de morte em vida, um holocausto.
Para Tony e Fernanda.
Para os irmãos, o tempo passou a ser mais lento.
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E hoje será interminável.
2.
Sara Carreira faria 23 anos.
Faz hoje 23 anos.
Impossível, mesmo não a tendo conhecido, acreditar que morreu. Quando a vemos torna-se impossível por ser luz, por ser futuro, por ter a idade dos nossos filhos ou netos, por nela tudo ainda parecer ser vontade de comer o mundo, de fazer coisas, de se cumprir.
Parecia um anjo.
Espero que o seja agora, com asas e tudo.
Tinha a idade do meu filho mais velho, uns meses mais nova.
E a Sara passou a existir na minha vida porque não há movimento que faça com os meus filhos, não há Natal que possa celebrar no futuro sem dela me lembrar, sem de Tony Carreira e de Fernanda me lembrar, para eles nunca mais será possível montar a Árvore de Natal da mesma maneira, nunca mais poderão trocar prendas sem pensar naquele fim-de-tarde chuvoso e na memória da sua Sara, nunca mais poderão esperar pela meia-noite, brincar como antes, sorrir como antes, viver como antes.
Ouça aqui o Postal do Dia.
3.
A vida é insondável.
Por vezes uma maravilha que julgamos não merecer.
Outras um inferno que nos ameaça queimar por dentro.
É nisso que volto a pensar no dia de hoje, o dia em que Sara faria 23 anos.
Não conheço Tony Carreira.
Não oiço normalmente as suas canções.
Ou as canções de Micael e David.
Mas é absolutamente indiferente.
Conheço-os sem os conhecer.
Como tu.
Acompanhamo-los e existem como se fossem nossos vizinhos, amigos ou família.
Mesmo sem querer temos opiniões acerca do que fazem.
Cumprimentamo-los se nos passarem ao lado.
Eles não nos conhecem, mas nós conhecemo-los.
E a morte brutal de Sara é a prova disso.
Porque a dor deles passa a ser a nossa.
E a partida dela, tão bela e tão jovem, é a antecipação do inominável se o destino nos tivesse escolhido a nós e não a eles.
4.
Sara Carreira faria 23 anos.
E certamente que nesta altura terá outras prioridades.
Acredito que sim, continuo a acreditar que a vida não se esgota neste caminho.
Não faria sentido algum, pois não?
Por isso, é tempo de virar a página e de a começar a celebrar olhando para a vida e não para a morte.
Vendo a luz e não a escuridão.
Percebendo que a Sara é, ainda assim, uma celebração da vida - mesmo quando a vida é brutal e nos esmaga o entendimento ela ficará como um ícone da juventude eterna, da esperança eterna, da beleza que nos faz, apesar de todas as monstruosidades, ter empatia, querer abraçar quem precisa de um abraço, comovermo-nos, sermos pessoas inteiras.
Obrigado, Sara.
Espero-te bem.
Um dia trocaremos conversa.