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1.
Sempre me comovi com a procissão das velas, em Fátima. Acreditando mais ou menos, tendo uma fé extraordinária ou um racional ceticismo, é impossível não ficar arrepiado com as manifestações de fé, com a energia acumulada, com a soma de tantas vidas juntas em prece à passagem de Nossa Senhora.
Hoje não deve ter sido diferente.
2.
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As aparições de Fátima não são um dogma para a Igreja Católica - uma pessoa pode pertencer à Igreja, pode até ser padre ou freira, e não acreditar que os pastorinhos viram Nossa Senhora.
É para muitos teólogos um fenómeno mais profano do que sagrado.
No entanto, diria eu, menos profano do que tantas decisões, omissões e opiniões de cardeais, bispos, arcebispos, padres ou leigos ligados à Igreja Católica ao longo dos séculos.
Diria, vendo o copo meio cheio, que a Igreja Católica só pode ser uma criação de Deus pois com tantos erros, iniquidades e pecados outra instituição já teria sido extinta.
Mas não.
Com mais crise ou menos crise, a Igreja Católica lá continua, o que não deixa de ser extraordinário.
3.
Não quero hoje falar dos casos de pedofilia - agora também esmiuçados em Portugal por uma comissão acima de qualquer suspeita - ou da aparente resistência a que se saiba mais por parte de algumas figuras distintas.
Também não é a altura para comentar as resistências várias da Igreja Católica portuguesa ao 25 de Abril - é conhecido no essencial o compromisso histórico entre a cúpula católica e o salazarismo.
Um dia destes ainda escreverei sobre as reticências e o desdém de muitos católicos proeminentes em Portugal ao Papa Francisco e a tudo o que ele representa.
4.
Acredito em Deus.
Mas é-me difícil encontrar na Igreja Católica um lugar onde me seja fácil o caminho para uma ideia de transcendência.
Admiro muito o Papa Francisco.
Como admiro Frei Bento Domingues, Tolentino de Mendonça, Fernando Ventura ou até José Ornelas, o atual porta-voz da Conferência Episcopal.
Mas quando procuro encontrar razões para ter esperança na Igreja logo a realidade se encarrega de me dizer que sou demasiadamente crédulo.
5.
Repararam no episódio do desejo de compra da sede histórica do CDS pelo Chega?
Para quem não sabe, o prédio de quatro andares no Largo do Caldas pertence ao Patriarcado de Lisboa.
E aparentemente o CDS não tem dinheiro para pagar a renda e quer renegociar valores.
André Ventura aproveitou a brecha e anunciou que iria fazer uma proposta de compra ou arrendamento ao Patriarcado. Chegou inclusivamente a falar de verbas concretas: 7 milhões de euros pela compra e 5 mil euros mês pelo arrendamento.
Também hoje não vos quero maçar acerca dos 7 milhões de euros que o líder do Chega se propõe pagar - arranjar tanta massa é uma boa matéria para uma conversa de pé de orelha.
O que vos quero confessar é que esperei todos estes dias por uma declaração da Conferência Episcopal ou do patriarcado, no sentido de me tranquilizar.
Do género:
"Em nenhuma circunstância o Patriarcado, a Igreja Católica, venderá o seu prédio do Largo do Caldas ao Chega".
"Em nenhuma circunstância e por um qualquer valor. A Igreja Católica não pactua com projetos políticos ancorados em valores que não são os nossos".
Mas não.
Não houve qualquer declaração.
Na verdade, minto.
Houve uma declaração.
A de que até ao momento não chegara qualquer proposta formal do Chega pela compra do edifício.
Só pode ser obra de Deus.
Mas até Deus se cansa, meus queridos amigos.