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1.
No próximo dia 12 de fevereiro espero que o Coliseu do Porto possa esgotar e aplaudir o trabalho que os "doutores palhaços" fazem há dez anos em muitos hospitais portugueses.
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O que começou por ser um pequeno projeto tornou-se maior e depois insubstituível.
Os hospitais são lugares em que, tantas vezes, estamos absolutamente sozinhos.
Desamparados.
Fragilizados.
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Em perda.
Em lugares assim, sobretudo com os nossos mais velhos, sobretudo com os que veem a proximidade do momento em que terão de partir, as sombras estão sempre mais presentes do que a luz.
E é por isso que este projeto dos "Palhaços D"Opital" é insubstituível e necessário.
Um palhaço nunca desiste
2.
Podia falar-te de muitas pessoas que sorriram quando os "palhaços doutores" entraram nos quartos.
Quando cantaram.
Quando fizeram rir.
Quando puxaram o mais fundo das vidas.
Quando resgataram a luz da sombra em que as pessoas se tornaram.
A história daquela senhora que pedia ajuda para se deitar. Os palhaços tentavam, mas nada. A Dona Maria não parava de dizer o que as enfermeiras depois contextualizaram - nada a fazer, ela está sempre a dizer a mesma coisa.
Mas os palhaços não desistiram, um palhaço quando o é nunca desiste.
Cantaram-lhe a "Laurindinha". E Maria, como se fosse um milagre, começou a soletrar a letra e fê-lo do princípio ao fim. Cantou-a tão bem. Cantou-a como se das suas memórias tivesse resgatado a vida que perdera.
3.
Ou as tantas histórias nos cuidados paliativos.
Mulheres e homens que já não reagem a quase nada, mas quando veem os palhaços a falar ou a cantar se iluminam como se voltassem a ser crianças.
Ou a história de um casal - ele acamado e de partida. E ela triste, sentada à beira da cama, em espera.
Os palhaços a fazerem o seu papel e qualquer coisa a acontecer nos olhos dele. A vontade de falar, de lhes contar do amor que sente por aquela mulher que espera, dos 40 anos de casamento, das pequenas histórias.
A mulher que espera a não esconder as lágrimas, a correr pelo corredor e a trazer a sua filha para que pudesse presenciar o regresso à vida do seu pai, o homem que as duas tinham perdido num qualquer caminho.
4.
Ou a visita que fazem em todos os natais.
A alegria que levam de um circo que ficou lá para trás, mas que afinal é ainda parte do que está à frente das suas vidas, a alegria é possível até ao último sopro.
Ou o caminhar dos palhaços em corredores intermináveis onde parece que o tempo parou e a vida se escondeu.
Como me disse Jorge Rosado, diretor artístico do projeto:
"Muitas vezes entramos em quartos cobertos de silêncio, quartos sem cor e sem luz. Quando chegamos e batemos à porta encontramos tantos silêncios e pouco sabemos das vidas de cada pessoa que ali está à nossa frente. E tantas vezes, por levar alegria e ouvir, vemos a vida a ressurgir".
A vida a ressurgir, a respiração a mudar, as mãos a mexer, o olhar a tornar-se outro olhar.
Um milagre.
Os "doutores palhaços" não deixam de ser médicos de alma. Feiticeiros bons que resgatam vidas do breu mais profundo, gente que traz alegria onde a alegria é impossível e distante.
E quantas vezes são eles que precisam de um abraço.
Quantas vezes são eles a sair dos quartos sem saber se foram ouvidos, se foram vistos, se tiveram efeito nos que até ao fim pareceram ausentes.
Como me disse o "doutor palhaço":
"Muitas vezes pergunto-me se a pessoa me ouviu. Se me percebeu. Se sentiu que estivemos ali para ela. Acredito que sim. Porque há pormenores, mesmo nos casos impossíveis, há pormenores que nos provam que sim, que valeu a pena, que vale sempre a pena".
5.
Obrigado por estes dez anos.
Um tempo em que ofereceram o melhor de cada um e de cada uma para que a luz pudesse ganhar às sombras nem que seja por um último momento.
Lá estarei no Coliseu do Porto para vos pedir que não desistam.
Para vos dar o abraço que merecem.
Um abraço a quem abraça.