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Nas respostas de emergência à crise de saúde global relacionada com a Covid-19, muitas têm sido as preocupações relacionadas com a ética e os direitos humanos, quer ao nível da comunicação, quer das tomadas de decisão. A crise tem, por exemplo, um impacto imediato em grupos vulneráveis, nomeadamente os grupos de pessoas com deficiência.
A deficiência ou incapacidade pode ser física, sensorial, motora ou intelectual. As pessoas com deficiência ou incapacidade são todas aquelas que experimentam défices ou uma diminuição de capacidade em qualquer área de funcionalidade, o que poderá limitar as suas atividades diárias ou restringir a sua participação social. Em Portugal são mais de 630 mil as pessoas que vivem com algum tipo de deficiência diariamente, e que necessitam de orientação e apoio para se protegerem durante a pandemia.
Sem medo do Medo: Direitos fundamentais da pessoa com deficiência durante a Pandemia
As pessoas com deficiência, mesmo em circunstâncias normais, têm muitas vezes dificuldade no acesso a serviços adequados de apoio e de saúde. Durante a crise, muitos dos serviços e estruturas de apoio foram suspensos, o que limita os acessos e agrava o impacto neste grupo. Outras ficam também em maior risco de serem marginalizadas e estigmatizadas, situação anteriormente comum, mas que pode agravar-se durante a crise.
Aspetos de natureza prática podem contribuir para aumentar o risco de infeção, como são exemplo as limitações para a correta higienização das mãos (ex: lavatórios inacessíveis ou dificuldade física em esfregar as mãos), dificuldades em manter o distanciamento social (ex: procura do toque ou necessidade deste para apoio), ou a necessidade de obter informação ou apoio físico através de objetos e superfícies.
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A par destes desafios, podem coexistir dificuldades no acesso, continuidade e inclusão na educação e no emprego, agravadas pela falta de meios, materiais e estratégias de comunicação à distância, adaptados às suas necessidades específicas (por exemplo, a comunicação online para aulas ou teletrabalho não está da mesma forma acessível àqueles que apresentam baixa visão).
Por outro lado, a necessidade de isolamento pode igualmente afetar a independência das pessoas com deficiência, que passam muitas vezes a depender de cuidadores informais. Nestas circunstâncias, são frequentes os sintomas de ansiedade e medo, que podem ser exponenciados por sentimentos de desproteção ou de que os serviços de saúde adequados lhes serão limitados, por priorização das pessoas idosas ou doentes (que são mencionadas como o grupo de maior risco).
Torna-se fundamental reduzir as desigualdades e as barreiras estruturais de acesso à informação (atempada), a métodos preventivos e aos serviços essenciais. É essencial que as informações partilhadas pelas autoridades de saúde sejam disponibilizadas em língua gestual, mas também sob outras formas de acesso fácil como a tecnologia digital, mensagens escritas e de fácil leitura (frases curtas, linguagem simples e direta), ou por via de meios áudio ou visuais (imagens ou pictogramas). A linha SNS24 disponibiliza, a título de exemplo, informação/aconselhamento via chat e não apenas via telefone.
Estamos (ainda mais) em tempos de providenciar às pessoas com deficiência, o mais que pudermos, apoio prático e emocional, seja através dos cuidadores formais (serviços ou estruturas de apoio) ou informais (prestados, por exemplo, por um familiar ou amigo), seja através de estratégias de comunicação dirigida, que possam reduzir o potencial de exposição à Covid-19, apoiar comportamentos pró-saúde, e promover a resiliência e o bem-estar psicológico das pessoas com deficiência.
Acima de tudo, estamos em tempos de providenciar serviços de saúde pública, incluindo a saúde psicológica, que assegurem, de forma digna, a igualdade de acesso a informação e a priorização desses mesmos cuidados, de saúde física e psicológica, protegendo os direitos básicos fundamentais das pessoas com deficiência.
* Sofia Ramalho, Vice-Presidente da Ordem dos Psicólogos Portugueses