Sinais

"Sinais" nas manhãs da TSF, com a marca de água de sempre: anotação pessoalíssima do andar dos dias, dos paradoxos, das mais perturbadoras singularidades. Todas as manhãs, num minuto, Fernando Alves continua um combate corpo a corpo com as imagens, as palavras, as ideias, os rumores que dão vento à atualidade.
De segunda a sexta, às 08h55, com repetição às 14h10.

A casa das perguntas

Conta-se que, quando preparava o catálogo para a primeira exposição de vanguarda, em 1874, Renoir perguntou a Monet que título deveria ser dado a uma certa pintura do mestre representando o nascer do sol. Monet terá respondido, com algum enfado: "Chama-lhe só uma impressão". O breve diálogo explicaria o título com que o quadro foi apresentado: "Impressão, nascer do sol". Assim teria nascido, entretanto, a designação de uma escola.

O magnífico quadro de Monet revela o reflexo brilhante da bola de luz alaranjada nas águas em que voga um pequeno barco no qual são perceptíveis dois vultos, um deles em pé, remando. Em fundo, o fumo das chaminés das fábricas e os contornos de guindastes do Havre na outra margem. Entre as interrogações e perplexidades sentidas pelos admiradores de Monet diante deste quadro, no museu Marmottan, alguma terá incidido sobre o que motivou a escolha do título?

Lembrei-me do episódio a propósito de um novo livro de Nuno Camarneiro, "A Casa das Perguntas" que a Almedina acaba de editar com ilustrações de Helder Teixeira Peleja. As tantas perguntas que o livro formula parecem desafiar o adulto que possa, já, irromper no leitor juvenil e, do mesmo passo, estimular a curiosidade, talvez juvenil, que possa ter permanecido na compostura de um adulto sensível, embora conhecedor da etiqueta.

É um museu lugar para perguntas, idealmente em voz baixa? Ou apenas para espantos monossilábicos e cenhos franzidos na proximidade embevecida de quem conhece o manual de boas maneiras? O livro vem dizer-nos que sim. Antes de mais porque, como propõe Camarneiro, os artistas (no caso, os artistas representados nos museus) "são uma espécie de perguntas". Não apenas, com as suas obras, formulam perguntas, geram inquietações e sobressaltos, são, eles mesmos, pergunta. O livro é uma deambulação pelo museu com reflexões sobre o modo como os sonhos podem cruzar-se com a arte levada ao limite, também através da geometria ou da cor. E reflecte sobre a guerra, a arte pop, os novos materiais, a possibilidade de pintar com o corpo. São tantas as perguntas expostas nas páginas deste livro e tão surpreendentes como salas de museu enquanto o narrador vai chamando a atenção de Rita e de Gui que o acompanham. Tantas as perguntas porque, como é lembrado, quer dentro do museu, quer lá fora, é preciso olhar e é preciso perguntar.

A pergunta mais vezes repetida, quase página a página, quase sala a sala, é esta: "Onde estás, Rita? Onde estás, Gui?".

Será sinal de que a Rita e o Gui estavam, algures, fazendo perguntas, à sua maneira.

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