Sinais

"Sinais" nas manhãs da TSF, com a marca de água de sempre: anotação pessoalíssima do andar dos dias, dos paradoxos, das mais perturbadoras singularidades. Todas as manhãs, num minuto, Fernando Alves continua um combate corpo a corpo com as imagens, as palavras, as ideias, os rumores que dão vento à atualidade.
De segunda a sexta, às 08h55, com repetição às 14h10.

Do rio ao mar

Ainda não desisti de cumprir um sonho antigo: descer um rio, sempre que possível caminhando, da nascente à foz. Registando vozes na margem, vidas afluentes, lugares perdidos, pegadas inesperadas. Penso em rios de percurso médio, como o Cávado, que nasce no Larouco, a serra que os antigos consideravam uma divindade, e vai deitar-se, exausto, ao mar de Esposende, lá onde Ruy Belo gostava de ir assistir ao que chamou a morte da água, a "morte de um rio que envelheceu a romper pedras e plantas, que lutou, que torneou obstáculos".

Partilho esta tão singela aspiração antiga porque ontem desci, emocionado, sentado num sofá, os 2400 km do Mekong, atravessando, com o repórter François Pécheux, o Laos, o Cambodja e o Vietnam, até ao delta. Na véspera, no episódio inaugural da série "Do Rio ao Mar" que a RTP 2 começou a transmitir, o repórter descera o Danúbio, outros grandes rios, como o Amazonas e o Mississipi, estão prometidos.

Ontem François Pécheux apresentou-nos o pescador solitário que transpõe as perigosas cataratas em equilíbrio precário numa corda que liga as margens e um outro que cria crocodilos que alimenta com ratazanas apanhadas nos altos ninhos de árvores quase submersas com o arpão que é também remo de canoa. Ele vai mudando de barco em cada etapa do rio. "Aqui, todos viajam ao ritmo do rio", explica. Seja na mais rudimentar canoa, seja no barco que é também casa flutuante e no qual vive toda a família do barqueiro.

"Quantas vezes fez esta viagem?", pergunta, logo no início, o repórter a uma anciã que se faz transportar entre sacos de cereais e galinhas. "Na minha idade, já não as conto", responde a mulher. "Mas é agradável, há sempre algo para ver no rio". E aponta para a gruta sagrada, dezenas de estátuas de Buda esculpidas na falésia. Adiante, nos será mostrada Luang Prabang, a cidade dos Budas, dezenas de templos assinalando o lugar onde, como explica a lenda, vindo do rio, Buda pisou a terra. E Angkor, o maior local religioso do mundo, com os seus templos em ruína. Teremos deixado para trás as inesquecíveis imagens do navio fantasma, abandonado na margem. Um navio pensado para ser hotel sobre as águas e cujos salões e grandes escadarias perderam a glória. Escutamos a voz do repórter:" Parece que estou num navio do Corto Maltese". Não tarda, na pequena balsa que liga as ilhas do delta do Mekong, uma mulher dirá que o mar altera o rio. Alguém responderá que o rio altera o mar. E vendo as águas em que Camões naufragou, não tendo um manuscrito para salvar, aponto a quilha de um desejo manso a um rio que não me leve tão longe e me permita pedir emprestada à memória de um grande repórter a insígnia de "capitão de médio curso".

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