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Acabo de escutar, deliciado, uma entrevista que Igrejas Caeiro fez a Aquilino, tinha este acabado de escrever "A Casa Grande de Romarigães". Mas a conversa não é subsidiária desse acontecimento editorial, nem a ele está sujeita. Vai sem guião, demora-se em Camilo e observa o rumor das árvores e o voo das aves. Aquilino descreve a sua própria vida interior como "uma feira e uma floresta". Diz dos castanheiros que "são cidades para os pássaros".
Quando é chamado a contar a sua história desde o início, responde: Nasci em 1885. Foi o ano em que se casou o Camilo". E tu que me ouves, que dirias, sem pensar, sobre o ano em que nasceste? Aí tens um belo exercício para o teu dia. Mas regressemos à entrevista.
A primeira pergunta de Igrejas Caeiro: "O seu nome é apenas Aquilino Ribeiro?". O autor d' "O Homem da Nave" "Bem...eu quando andei a estudar tinha também mais um outro apelido. Mas nós devemos simplificar a nossa vida e simplificar tudo o que nos diz respeito. Eu chamava-me Gomes, também. Cortei o Gomes. Atirei o Gomes fora".
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E o homem que nasceu Aquilino Gomes Ribeiro foi puxando o fio: "Não sei se sabe que o Gualdino, a propósito de um escritor que se chamava Francisco e passou a chamar-se Fran, dizia que o tal Francisco deitou o cisco fora". A história faz lembrar os primeiros versos de um breve poema de Mário Quintana, "Na porta/ a varredeira varre o cisco/ varre o cisco/ varre o cisco".
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Assim a conversa "desenrola a corda". Vale a pena esclarecer que este Gualdino, escritor de obra pouca mas verve reconhecida nas tertúlias do Chiado, amigo de todos os grandes escritores do seu tempo, incluindo Aquilino que lhe dedicara a "Estrada de Santiago", mantinha, no nome civil e no literário, o mesmo apelido Gomes que Aquilino deixara cair. Tratei, entretanto, de apurar quem seria o tal Francisco que passou a chamar-se Fran. E descobri tratar-se de um certo Manuel Francisco Pacheco, nascido em Setúbal, onde fundou, ainda muito jovem, o jornal "O Elmano", antes de se fazer ao mundo e à diplomacia e de apanhar paludismo em Manaus. Foi um dos fundadores da Academia Maranhense de Letras e chegou a ser secretário particular do presidente Bernardino Machado. O nome que viria a usar ao longo da vida, Fran Paxeco (com xis), substitui, em Setúbal, o da antiga rua Direita do Troino. O seu exemplo foi seguido por um romancista e famoso jurista do Ceará, Francisco Martins, que passou a chamar-se Fran Martins.
Em certas circunstâncias, deixamos cair o apelido com a mesma facilidade com que deixamos cair cabelo. Já Igrejas Caeiro, que também era Francisco, não é que tenha deixado cair o nome próprio, mas ganhou popularidade nos media e nos palcos, apenas com os dois apelidos. Fica desenrolada a corda da conversa lembrando que Igrejas Caeiro fundou e dirigiu artisticamente o Teatro Maria Matos, inaugurado com a peça "Tombo no Inferno", de Aquilino.