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Aquele que poderia ter sido o mais mediático abraço das últimas horas (o abraço de um fotógrafo mergulhador a um tubarão branco nas águas da Carolina do Sul) foi relegado para rodapé irrelevante face ao caloroso amplexo trocado entre Volodymyr Zelensky e Natália, uma jornalista da secção ucraniana da BBC. O abraço de que se fala foi trocado durante a conferência de imprensa conjunta do presidente ucraniano e do primeiro-ministro britânico, depois de Natália ter manifestado o desejo de abraçar o seu presidente, embora (ela o disse) tal não fosse permitido. Aquele "porque não?" de um sorridente Zelensky que logo avançou para um abraço não protocolar à jornalista, terá provocado e provocará ainda alguma urticária corporativa, do mesmo modo que elevou consideravelmente a fasquia das exigências futuras que Natália enfrentará em cada conferência de imprensa em que levante o dedo das perguntas.
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No instante em que vi o abraço pensei na cidadã ucraniana que não esconde a emoção perante o presidente do seu país ocupado e, tal como milhões de outros telespectadores, mimetizei intimamente o sorriso e o aplauso de Rishi Sunak. Depois, pensei: E se Natália fosse russa e a conferência de imprensa fosse de Putin? E depois: E se fosse eu, não digo diante de Costa, mas de Jorge Sampaio, a quem tanto estimei? E pensei no quanto teria gostado de abraçar Salgueiro Maia ou Agostinho da Silva, a quem fiz perguntas e com quem conversei, mas a quem nunca apertei nos braços?
Regresso à terra. Zelensky está a pedir asas para proteger a Ucrânia. E logo se me escapa o pensamento para "Grande Sertão: Veredas", de Guimarães Rosa, quando Riobaldo dá ao jagunço Diadorim um "abraço com as asas de todos os pássaros". É fácil encontrar um registo em que Maria Bethânia diz, de um modo arrebatador, o caminho até esse abraço. A Europa Riobaldo dará a Diadorim Zelensky o pedido abraço com asas?
Regresso à terra. Natália pergunta ao primeiro-ministro britânico o que acontecerá se Londres continuar a ser uma lavandaria de dinheiro russo. E dou comigo a pensar que numa futura Ucrânia desocupada, todos os ouvidos estarão despertos para as perguntas de Natália. Se ela, entretanto, não tiver sido nomeada assessora de imprensa.
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