Sinais

"Sinais" nas manhãs da TSF, com a marca de água de sempre: anotação pessoalíssima do andar dos dias, dos paradoxos, das mais perturbadoras singularidades. Todas as manhãs, num minuto, Fernando Alves continua um combate corpo a corpo com as imagens, as palavras, as ideias, os rumores que dão vento à atualidade.
De segunda a sexta, às 08h55, com repetição às 14h10.

Ode à cebola do Niassa

O enviado do jornal El Pais a Nairubi, um povoado de Mayune, na província moçambicana de Niassa, revela-nos " a pele curtida, as mãos calejadas" de Raja Amimo, o agricultor sentado num chão de cebolas. Amimo veste uma camisola já desbotada do Borussia de Dortmund. Ele é um dos camponeses desta região pobre entre as mais pobres de Moçambique que, com o apoio de uma ONG espanhola, procuram libertar-se da monocultura do milho. A nova estratégia parece dar resultado. Com a introdução do arroz, do sésamo, da soja, das cebolas, Amimo pôde comprar uma moto, cobriu a casa com uma chapa mais resistente, colocou painéis solares para obter electricidade.

Eis Amimo sorrindo, sentado num chão de cebolas, depois de colher mais de cem sacos de 50 quilos. Cada saco rendeu-lhe 15 euros. Ele considera que é bom dinheiro, dada a cotação. Não há notícia de que uma qualquer ASAE do Niassa tenha detectado margens de lucro suspeitas na comercialização do bolbo que alguns dizem afrodisíaco, não obstante desate as lágrimas.

O sorriso de Amimo continua a Ode à Cebola de Neruda, aqueles versos traduzidos pelo saudoso José Bento: " Fizeste-nos chorar, mas sem sofrer./ Tudo o que existe celebrei, cebola,/ mas para mim és/ mais formosa que um pássaro/ de plumas ofuscantes".

Camada a camada, revela-se ao repórter a nova vida dos camponeses que até agora vinham lavrando o milho de séculos para sobreviverem. Mas eis que o camponês Lucungolo fala da filha que foi estudar para a universidade depois de ele ter introduzido os pimentos e o sésamo. Adiante, o repórter encontra Liaia Daia, um camponês que não sabe a própria idade. Continua trabalhando a terra, não há pensões para os que no Niassa fizeram florir o chão. Há meia dúzia de anos introduziu a soja. Com os primeiros lucros, comprou uma bicicleta. Depois, comprou um rádio. Ele diz, o repórter escreve que ele diz, talvez adoçando a camada final da cebola, ele diz. "A rádio é genial. Agora posso escutar música". Do lado de cá do mar, a rádio dá voz a quem descasca o penoso bolbo dos dias. Alguém pergunta: Por que pagamos cada dia mais pela cebola? No rádio de Liaia Daia é outra a música.

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