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O enviado do jornal El Pais a Nairubi, um povoado de Mayune, na província moçambicana de Niassa, revela-nos " a pele curtida, as mãos calejadas" de Raja Amimo, o agricultor sentado num chão de cebolas. Amimo veste uma camisola já desbotada do Borussia de Dortmund. Ele é um dos camponeses desta região pobre entre as mais pobres de Moçambique que, com o apoio de uma ONG espanhola, procuram libertar-se da monocultura do milho. A nova estratégia parece dar resultado. Com a introdução do arroz, do sésamo, da soja, das cebolas, Amimo pôde comprar uma moto, cobriu a casa com uma chapa mais resistente, colocou painéis solares para obter electricidade.
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Eis Amimo sorrindo, sentado num chão de cebolas, depois de colher mais de cem sacos de 50 quilos. Cada saco rendeu-lhe 15 euros. Ele considera que é bom dinheiro, dada a cotação. Não há notícia de que uma qualquer ASAE do Niassa tenha detectado margens de lucro suspeitas na comercialização do bolbo que alguns dizem afrodisíaco, não obstante desate as lágrimas.
O sorriso de Amimo continua a Ode à Cebola de Neruda, aqueles versos traduzidos pelo saudoso José Bento: " Fizeste-nos chorar, mas sem sofrer./ Tudo o que existe celebrei, cebola,/ mas para mim és/ mais formosa que um pássaro/ de plumas ofuscantes".
Camada a camada, revela-se ao repórter a nova vida dos camponeses que até agora vinham lavrando o milho de séculos para sobreviverem. Mas eis que o camponês Lucungolo fala da filha que foi estudar para a universidade depois de ele ter introduzido os pimentos e o sésamo. Adiante, o repórter encontra Liaia Daia, um camponês que não sabe a própria idade. Continua trabalhando a terra, não há pensões para os que no Niassa fizeram florir o chão. Há meia dúzia de anos introduziu a soja. Com os primeiros lucros, comprou uma bicicleta. Depois, comprou um rádio. Ele diz, o repórter escreve que ele diz, talvez adoçando a camada final da cebola, ele diz. "A rádio é genial. Agora posso escutar música". Do lado de cá do mar, a rádio dá voz a quem descasca o penoso bolbo dos dias. Alguém pergunta: Por que pagamos cada dia mais pela cebola? No rádio de Liaia Daia é outra a música.
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