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Há quarenta anos, quando visitou São Miguel de Seide (que grafou com C de casa, ao contrário do que indicam as placas toponímicas e pratica a própria tutela da Casa de Camilo e do Centro de Estudos Camilianos, mas conforme ao que estabelece o Ciberdúvidas), Saramago olhou demoradamente a cama onde dormia Camilo e a mesa onde Camilo escreveu várias novelas e perguntou: "Onde está Camilo?" . Saramago considerou que aquela era "muito mais a casa de Ana Plácido, quase nada a de Camilo". E rematou: "Ceide não comove, entristece. Talvez por isso, o viajante começa a sentir que é tempo de ver o mar". E seguiu viagem até Matosinhos, pensando no Nobre e procurando a belíssima igreja do Senhor Bom Jesus.
Não há de ser por via da consoante com que grafamos o lugar onde se ergue a última morada do grande escritor, renascida de um fogo de há pouco mais de um século e agora recebendo novos visitantes, também na recuperada Casa do Caseiro, que alguém ousará aferir "esta nossa debilidade camiliana" (e assim faço vénia à exposição que ali permanecerá até Setembro em homenagem ao grande camilianista João Bigotte Chorão).
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Ao que venho, entretanto? Venho deixar simples nota do que acaba de me ser mostrado por José Manuel Oliveira, o guardião da Casa e do Centro de Estudos Camilianos. É um testemunho profundamente tocante, com o qual Saramago respondeu à pergunta que ele próprio deixara na primeira passagem pela casa. A 28 de Fevereiro de 1999, poucos meses depois de ter recebido o Nobel, Saramago deslocou-se a S. Miguel de Seide, acompanhado de Pilar, depositou sobre a mesa de Camilo um magnífico ramo de rosas e escreveu no Livro de Honra: "Na casa onde Camilo saiu da vida para entrar na eternidade do génio, venho trazer rosas. Venho também trazer o prémio que me deram, o seu valor simbólico, que Camilo merece, como provavelmente nenhum outro escritor português. Eu, aprendiz, deixo rosas ao Mestre". E num exemplar da Viagem a Portugal que lhe é apresentado (e permanece na casa) deixou a mensagem que, finalmente, responde à pergunta tão áspera como os ramos secos da acácia do Jorge que lá continua ao fundo da escada: " A casa de Camilo onde todo o Portugal está". No Portugal que vamos descobrindo a partir de Seide está o Camilo, num interminável amor de perdição. Landim, a do louco, é logo adiante. Prazins, a da brasileira, está à distância de um grito. A azenha de Maria Moisés, que nos chama para uma das mais pungentes novelas do Minho, está a 800 metros. Lá fui, por meus próprios passos. Lá havemos de ir juntos, em calhando a crónica, amanhã ou depois.