- Comentar
Vai esta nota em andas, que um muro de dois metros tapa-me a vista. E vai ao cuidado do sr presidente da câmara de Leiria e do seu antecessor, em cuja caixa craniana nasceu um muro adjudicado no âmbito do PEDU.
O muro do PEDU (aquele que foi a reunião de Câmara em Dezembro de 2016) foi pensado para ter meio metro de altura. O muro inicial dava pelos joelhos, vá lá, pela cintura de qualquer cidadão de estatura média. Entretanto terá crescido na caixa craniana do anterior presidente, terá sido ajustado à dimensão de agora e sabe-se que o processo, mais betão menos betão, mais areia menos areia, mais brita menos brita, mais vigota menos vigota, ganhou forma e organizou andaimes entre o frontal e os parietais, o esfenóide e o occipital, na alta convexidade dos crânios de suas excelências. E deu no que deu. Um muro de dois metros em redor do chamado Bairro Social da Integração. Ficaram os 48 habitantes de etnia cigana mais integrados na intimidade das 18 casas do seu bairro. Menos expostos aos ventos adversos, a eventuais maus olhados e até, como argumenta a autarquia, ao risco de incêndios.
Decorreu o processo no âmbito do PEDU. E provocou as adivinhadas reacções. Um muro é um muro é um muro. Aliás, sempre quero ver a arte pública que lá vai ser escarrapachada. Da integração à segregação vai um salto à vara. E acresce que, como lembrou um vereador da oposição calejado em quase três décadas de liderança autárquica nas Caldas, "por princípio os muros não devem ter mais de um metro de altura". Fernando Costa estica o pescoço da frase sobre a paisagem e proclama que "o muro não faz falta nenhuma, a não ser para proteger o terreno vizinho de um conhecido construtor de Leiria".
Vai, entretanto, de andas, o meu bitaite ao cuidado de suas excelências.
Subscrever newsletter
Subscreva a nossa newsletter e tenha as notícias no seu e-mail todos os dias
De uma próxima vez em que as circunstâncias de um qualquer PEDU coloquem sobre a vossa mesa a urgência de um despacho, de um alvará, de um alvedrio, a respeito de cercas, tapumes, barreiras de qualquer espécie, dai mais atenção à espantosa engenharia dos poetas.
Coloco sobre a vossa mesa, antes da ordem do dia de uma qualquer aprazada reunião, um poema de Manoel de Barros. Manoel escreve-se com O. Não com U de muro.
O menino contou que o muro da casa dele era
da altura de duas andorinhas.
(Havia um pomar do outro lado do muro.)
Mas o que intrigava mais a nossa atenção
principal
Era a altura do muro
Que seria de duas andorinhas.
Depois o garoto explicou:
Se o muro tivesse dois metros de altura
qualquer ladrão pulava
Mas a altura de duas andorinhas nenhum ladrão
pulava.
Isso era.
Ouça a crónica "Sinais", de Fernando Alves, na íntegra