TSF à Mesa

Portugal fora, as fronteiras entre regiões são traçadas pelas paisagens e pela mesa. Das cidades às serras ou na imensidão das planícies, da melhor tradição portuguesa ao vanguardismo mais ousado. António Catarino sugere um país gastronómico que vale a pena apreciar.

Nos passos de Camilo

Camilo Castelo Branco, perentório, escreveu com convicção nos "Serões de S. Miguel de Seide:

"Não nasci lá", mas confessa: "Foi ali que fiz os primeiros versos - versos, meu Deus, não! - a primeira página da minha biografia de lágrimas."

A aldeia é Vilarinho da Samardã e Camilo, na referida obra, localiza e descreve: "demora em Trás-os-Montes, na comarca de Vila Real, sobranceira ao rio Córrego no desfiladeiro de uma serra sulcada de barrocais."

Um cenário agreste e granítico, para Camilo "um torrão agro e triste" onde passou dois anos na casa da irmã, que ali passou a residir, após o casamento com o médico Francisco José de Azevedo.

Para lá chegar, são três léguas andadas a partir de Vila Real, seguindo para norte através da Estrada Nacional 2, ou da A 24, atravessando campos pintados de negro. A devastação causada pelos incêndios está bem patente ao redor de Vilarinho da Samardã, onde o restaurante regional Passos Perdidos preserva desde 1996 a memória do prolífico escritor.

O espaço interior é acolhedor, com mesas e cadeiras em madeira; chão em ladrilho. Nas paredes, a profusão de recortes de imprensa, diplomas e prémios permite ler a história da casa.

No exterior, a vasta esplanada coberta, totalmente envidraçada e aquecida nos dias frios, é espaço privilegiado para contemplar o vale que se abre à nossa frente entre fraguedos.

Um reconfortante caldo de legumes ou uma saborosa alheira com migas - broa esfarelada, couve segada e enchidos - abrem caminho a algo de mais substancial.

Nas entradas, presunto com broa frita; pataniscas; moura ou linguiça grelhada também são opções.

"Ao pé de um bom estômago, coincidiu sempre uma grande alma", é frase camiliana encimando a carta onde consta uma das especialidades da casa: milhos com costelinhas em vinha de alhos.

Prato ideal para saborear nos dias frios e muito difícil, hoje em dia, de encontrar nas ementas, os milhos, confecionados com broa esfarelada e servidos em tacho de barro negro de Bisalhães, olaria Património Imaterial da Unesco desde 2016, justificaram em absoluto o estatuto.

O charrisco de vitela, acompanhado com arroz de castanhas e couves, revelou-se à altura das expetativas: carne muito saborosa, tenra, grelhada no ponto; arroz solto, seco, bem aberto. Satisfação total.

Outras escolhas possíveis: posta de vitela com batata alourada; rojões à transmontana; arroz de costelinhas em vinha de alhos; costelas de borrego com migas; nisto de porco com arroz de castanhas.

Noutro capítulo, dominam bacalhau - no lagar ou com broa - e polvo - grelhado -, de acordo com a tradição regional.

Dourada e salmão na grelha e pataniscas de bacalhau com arroz de feijão completam o lote de opções.

Para sobremesa, o bolo de bolacha ficou aquém das expetativas.

Carta de vinhos com tintos do Douro em maioria, alguns de produtores menos conhecidos; uma dezena de edições especiais e sete verdes.

Serviço muito simpático neste restaurante, que mantém o paradigma regional e uma salutar aposta em pratos tradicionais,

Nos Passos Perdidos, em Vilarinho da Samardã.

Localização: Vilarinho da Samardã (Vila Real)

Contacto: 259 347 322

GPS : 41.37922 N ; -7.70677 W

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